quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Por trás das cortinas

Edifício Master (Idem, Brasil, 2002)
Dir: Eduardo Coutinho


“Um filme sobre pessoas como você e eu”. A frase que acompanha o cartaz de Edifício Master nos faz pensar numa obra sobre gente aparentemente simples; mas qual o interesse em entrevistar pessoas assim?

Um edifício à beira da praia no bairro nobre de Copacabana é o microcosmo onde o documentarista Eduardo Coutinho e sua equipe aportaram para adentrar a vida daqueles que estivessem dispostos a falar. Sobre o quê? Ora, a conhecida e invejável capacidade do documentarista de arrancar ótimos depoimentos de seus entrevistados aponta para aquilo que lhes são mais íntimos: suas próprias vidas. É ali que o simplório já não se mostra tão óbvio assim e a aparência “normal” de cada um dá lugar a personagens cheios de camadas e nuances que se revelam pela fala e pelo comportamento de cada um diante das câmeras.

Uma cena revela uma visão partindo por trás de uma janela em direção à janela de um outro prédio à frente. Numa referência muito próxima ao clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, o filme assume sua posição de observador atento e intrigado, pois existe além de uma curiosidade por aquilo que os entrevistados contam para a câmera, um respeito muito grande para com o ponto de vista de cada um. O filme confere importância a todos sem julgamentos ou juízos.

Basta para Coutinho o papel de provocar uma abertura e a fala do entrevistado. Assim, os mais variados e curiosos casos surgem nas conversas e tornam-se instantaneamente o interesse principal do diretor. A cumplicidade criada com os moradores (uma das grandes características do trabalho de Coutinho, visto em vários de seus trabalhos), é reforçado pelos depoimentos extraídos que transbordam de verdade e alcançam momentos de mais pura entrega de uma pessoa para a câmera.

É quando os depoimentos pegam o espectador desprevenido, criando uma relação de interesse com as histórias. A cada novo entrevistado, uma surpresa. Consequentemente, Edifício Master alcança o espectador quando se percebe o quanto aquelas histórias ou tipos não estão distantes das pessoas comuns que conhecemos ou encontramos no dia a dia. Olhar para Edifício Master é olhar para nós mesmos. 

Ajuda muita na obtenção dessa cumplicidade uma percepção de como aqueles depoimentos soam extremamente verdadeiros e espontâneos. Mas o próprio Coutinho propõe (intencionalmente ou não) uma discussão interessante sobre a verdade daquilo que se diz. Ele pergunta para a garota de programa Alessandra se ela mente muito e recebe uma resposta bastante positiva. Então ele pergunta se ela mentiu durante o depoimento. A partir disso, é possível se perguntar se é mesmo possível acreditar em todos aqueles depoimentos que estão expostos na tela ou, mais precisamente, se todos os detalhes ditos pelos moradores podem ser confiáveis.

Convencemo-nos realmente de muitas falas, mas até que ponto aquilo é mesmo puro, confiável? Até que ponto um filme dito documental consegue expor a verdade (exata) de uma situação? (Talvez seja essa dúvida que tenha motivado o documentarista a discutir e ampliar a relação entre ficção e realidade no seu magistral Jogo de Cena).

Edifício Master ainda não tem vergonha de se mostrar enquanto artefato de construção. A equipe de filmagens aparece constantemente na tela, entrando e se alojando nos apartamentos. Como sempre nas obras de Coutinho, sua presença é sentida enquanto agente do próprio filme que está sendo feito, suas perguntas e colocações são geralmente ouvidas. Por outro lado, é interessante notar que a equipe de filmagens registra os depoimentos, mas também está sendo observada pelas câmeras de vigilância do prédio. Olham e são olhados.

Tecnicamente, Edifício Master segue uma linha de narrativa documental mais livre e apoiada no conteúdo, sem grandes preocupações estéticas. Com a câmera apontada para o entrevistado, o que importa é aquilo que será dito e não a forma como isso será mostrado. O destaque vai para uma montagem que ordena os vários depoimentos e ainda seleciona os mais interessantes para compor o filme (outros tiveram de ser descartados pela edição final). Além disso, nota-se aqui alguns contrapontos entre os entrevistados, apesar da diferença de cada depoimento: casal feliz X casal com dificuldades; moça que se relaciona com uma rapaz nos EUA X moça que possui bloqueio ao encontrar alguém do prédio; uma senhora que reclama da solidão X uma senhora que encontra no piano e nos discos antigos uma razão para continuar feliz. São desses encontros e desencontros, mas principalmente de uma gama de personagens complexos e humanos (e por isso mesmo interessantíssimos), não mais simplórios, que Edifício Master alcança sua plenitude narrativa.

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