Edifício Master (Idem, Brasil,
2002)
Dir:
Eduardo Coutinho
“Um
filme sobre pessoas como você e eu”. A frase que acompanha o cartaz de Edifício Master nos faz pensar numa obra sobre gente aparentemente simples; mas qual o interesse em entrevistar pessoas
assim?
Um
edifício à beira da praia no bairro nobre de Copacabana é o microcosmo onde o
documentarista Eduardo Coutinho e sua equipe aportaram para adentrar a vida
daqueles que estivessem dispostos a falar. Sobre o quê? Ora, a conhecida e
invejável capacidade do documentarista de arrancar ótimos depoimentos de seus
entrevistados aponta para aquilo que lhes são mais íntimos: suas próprias
vidas. É ali que o simplório já não se mostra tão óbvio assim e a aparência
“normal” de cada um dá lugar a personagens cheios de camadas e nuances que se
revelam pela fala e pelo comportamento de cada um diante das câmeras.
Uma
cena revela uma visão partindo por trás de uma janela em direção à janela de um
outro prédio à frente. Numa referência muito próxima ao clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock,
o filme assume sua posição de observador atento e intrigado, pois existe além
de uma curiosidade por aquilo que os entrevistados contam para a câmera, um
respeito muito grande para com o ponto de vista de cada um. O filme confere
importância a todos sem julgamentos ou juízos.
Basta
para Coutinho o papel de provocar uma abertura e a fala do entrevistado. Assim,
os mais variados e curiosos casos surgem nas conversas e tornam-se instantaneamente o interesse principal do diretor. A cumplicidade criada com os
moradores (uma das grandes características do trabalho de Coutinho, visto em
vários de seus trabalhos), é reforçado pelos depoimentos extraídos que transbordam
de verdade e alcançam momentos de mais pura entrega de uma pessoa para a
câmera.
É
quando os depoimentos pegam o espectador desprevenido, criando uma relação de
interesse com as histórias. A cada novo entrevistado, uma surpresa.
Consequentemente, Edifício Master
alcança o espectador quando se percebe o quanto aquelas histórias ou tipos não
estão distantes das pessoas comuns que conhecemos ou encontramos no dia a dia. Olhar para Edifício Master é olhar para nós mesmos.
Ajuda
muita na obtenção dessa cumplicidade uma percepção de como aqueles depoimentos
soam extremamente verdadeiros e espontâneos. Mas o próprio Coutinho propõe
(intencionalmente ou não) uma discussão interessante sobre a verdade daquilo
que se diz. Ele pergunta para a garota de programa Alessandra se ela mente
muito e recebe uma resposta bastante positiva. Então ele pergunta se ela mentiu
durante o depoimento. A partir disso, é possível se perguntar se é mesmo
possível acreditar em todos aqueles depoimentos que estão expostos na tela ou, mais precisamente, se todos os detalhes ditos pelos moradores podem ser
confiáveis.
Convencemo-nos
realmente de muitas falas, mas até que ponto aquilo é mesmo puro, confiável?
Até que ponto um filme dito documental consegue expor a verdade (exata) de uma
situação? (Talvez seja essa dúvida que tenha motivado o documentarista a
discutir e ampliar a relação entre ficção e realidade no seu magistral Jogo de Cena).
Edifício Master ainda não tem
vergonha de se mostrar enquanto artefato de construção. A equipe de filmagens
aparece constantemente na tela, entrando e se alojando nos apartamentos. Como
sempre nas obras de Coutinho, sua presença é sentida enquanto agente do próprio
filme que está sendo feito, suas perguntas e colocações são geralmente ouvidas.
Por outro lado, é interessante notar que a equipe de filmagens registra os
depoimentos, mas também está sendo observada pelas câmeras de vigilância do
prédio. Olham e são olhados.
Tecnicamente,
Edifício Master segue uma linha de
narrativa documental mais livre e apoiada no conteúdo, sem grandes preocupações
estéticas. Com a câmera apontada para o entrevistado, o que importa é aquilo
que será dito e não a forma como isso será mostrado. O destaque vai para uma
montagem que ordena os vários depoimentos e ainda seleciona os mais
interessantes para compor o filme (outros tiveram de ser descartados pela
edição final). Além disso, nota-se aqui alguns contrapontos entre os
entrevistados, apesar da diferença de cada depoimento: casal feliz X casal com
dificuldades; moça que se relaciona com uma rapaz nos EUA X moça que possui
bloqueio ao encontrar alguém do prédio; uma senhora que reclama da solidão X
uma senhora que encontra no piano e nos discos antigos uma razão para continuar
feliz. São desses encontros e desencontros, mas principalmente de uma gama de
personagens complexos e humanos (e por isso mesmo interessantíssimos), não mais
simplórios, que Edifício Master
alcança sua plenitude narrativa.
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