segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Formatando heróis

RoboCop (Idem, EUA, 2014)
Dir: José Padilha



É curioso como um filme de ação consegue se estabelecer mais pela discussão de questões sócio-políticas do que propriamente pela adrenalina. Era assim no RoboCop original (embora ali a ação fosse mais eficiente em termos de entretenimento), dirigido pelo holandês Paul Verhoeven. Curiosamente, Hollywood exporta mais um cineasta, o brasileiro José Padilha, para dar outra cara ao policial do futuro.

O que se busca aqui é uma nova gênese desse policial meio homem, meio máquina, apto para livrar a cidade da criminalidade sem risco à sua integridade, poupando junto a vida de muitos outros policiais. Aqui é possível notar como Padilha conseguiu, num produto hollywoodiano, feito para o mercado de entretenimento, remake de um filme super cultuado, incluir preocupações que são muito caras a ele enquanto cineasta, como visto em Tropa de Elite e sua continuação: a constituição de um herói no corpo (literalmente) de um oficial da polícia.

A grande pergunta que se coloca aqui é: como seria o policial ideal para combater a alta criminalidade de uma cidade? Ok, não sejamos ingênuos de achar que o conglomerado OmniCorp, responsável pela idealização e criação do homem-robô, deseja o bem comum da sociedade e a simples segurança da população, mas antes uma forma de lucrar financeira e politicamente com a revogação da lei que proíbe a utilização dessas máquinas oficiais nas cidades dos Estados Unidos.

O ideário de um policial perfeito, que possa garantir ambas as coisas (100% de eficiência no arriscado trabalho nas ruas e um lobby gigantesco para seus criadores e financiadores), é uma discussão que o filme persegue a todo instante, e talvez o que o diferencie em maior grau da obra original.

O policial Alex Murphy (Joel Kinnaman), depois de ter o corpo quase que completamente destroçado num atentado contra sua vida, é transformado então no RoboCop. A grande questão é o quanto do emocional deve permanecer nele e o quanto de inteligência artificial deve comandar suas ações. Os embates entre sua família, a esposa vivida por Abbie Cornish e o filho pequeno dos dois, e o ganancioso Raymond Sellars (Michael Keaton), que por sua vez entra em confronto com o médico-cientista Dr. Norton (Gary Oldman), responsável pela criação do homem-máquina, movem os conflitos do filme.


São esses arcos dramáticos que Padilha e o roteiro assinado por outros nomes conseguem desenvolver com certa habilidade, tropeçando quando muda repentinamente as aspirações de alguns personagens (como Sellars que, inicialmente, quer uma máquina que haja como humano, e depois passa a exigir um comportamento mais racional, mecânico, do RoboCop). O filme também deixa somente para a parte final as cenas de ação mais empolgantes.  

As comparações com o trabalho de Verhoeven são inevitáveis porque os filmes tangenciam questões sociais, políticas, familiares e de teor humano muito próximas, embora com focos de olhar distintos. Quando os telejornais, impressionantemente sutis na sua maneira de criticar o preconceito e a mentalidade tacanha do americano médio no filme anterior, cedem lugar a um programa sensacionalista e de tons exagerados, comandando por Samuel L. Jackson, nesse novo filme, vê-se uma forma corajosa de atualizar as questões que permeiam a criação e os dilemas que envolvem o RoboCop. A sociedade que o cria estará sempre tomada de vícios.

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