Trapaça (American
Hustle, EUA, 2013)
Dir: David O. Russell
Dir: David O. Russell
Numa
perspectiva de estar ao lado dos vigaristas (não que o filme concorde com seus
atos, mas enxerga-os de dentro), Trapaça se junta a muitos trabalhos que acompanha com curiosidade e
uma pitada de cinismo o universo condenável que seus personagens habitam. O
filme começa muito bem apresentando aquela dupla de pilantras, Irving Rosenfeld
e Sydney Prosser, (vividos por Christian Bale e Amy Adams, ela fenomenal) no
momento em que eles se conhecem e se apaixonam, um pelo outro e também pela possibilidade
de lucrar passando a perna nos outros.
É
algo que evoca os filmes policiais, mas sob a perspectiva dos bandidos,
querendo se dar bem na vida medíocres que levam. Confrontados com a lei que não
demora a bater na porta, eles são impelidos a colaborar com o FBI, na pessoa do
agente federal Richie DiMaso (Bradley Cooper) e desmascarar uma série de outras
peças que fazem parte do jogo político das falcatruas.
Mas
para além das tramas policialescas, as vidas particulares dos personagens
interferem diretamente nos seus planos e golpes. Entendemos ali certo glamour
que aquela vida de riscos e fingimentos provoca no casal, unido justamente pelo
tesão em viver do perigo, que se mistura pela atração que um sente pelo outro,
por mais que o sentimento escape para outras pessoas no decorrer da história. A
presença tempestuosa da esposa problemática de Irving, Rosalyn Rosenfeld
(Jennifer Lawrence), tempera esses descaminhos, assim como as inclinações
amorosas de DiMaso por Sydney.
É
aí que o filme tenta equilibrar drama e comédia, com um pouco de melodrama,
numa tarefa difícil de conciliar. O longa tateia por muitos caminhos, mas é
sempre muito raso em suas investidas, ou antes, tem plena consciência dessa
limitação e tenta despistar com uma roupagem pop e engraçadinha, distribuindo
momentos “fortes” para que o elenco estelar brilhe.
Trapaça, no fundo, é
muito mais interessante quando não leva seus personagens a sério, quando expõe
o ridículo de suas posições, seus comportamentos quase infantis, os embates
mesquinhos que travam, a dança da cadeira das atrações de uns pelos outros. Christian Bale e sua peruca desgovernada, os
arroubos fakes de Rosalyn, a cara de
pastel de DiMaso quando se vê atraído pela fatal pilantra, tudo isso rende bons momentos, mas sozinhos, nunca em conjunto.
De
certa forma, o filme tem as mesmas fragilidades do trabalho anterior do
diretor, O Lado Bom da Vida: reúne
ótimos personagens, mas o roteiro facilita e ajeita as situações para eles,
amarra seus conflitos confortavelmente para que no final as coisas saiam mais
ou menos como planejadas, chacoalhadas por algumas reviravoltas que não são tão
surpreendentes assim.
As
comparações com Scorsese surgiram pela atmosfera policial do todo, mas bem que O.
Russel poderia ter se espelhado no trabalho de um Alexander Payne (para ficar
em um de seus concorrentes ao Oscar de direção), por exemplo, que consegue resultados
tão bons ao trabalhar o drama junto com a comédia.
O.
Russel saiu-se muito bem quando investiu de cabeça no drama (com o ótimo O Vencedor, seu melhor filme até então),
mas quando transita entre os gêneros, o equilíbrio nem sempre é dos melhores.
Ele é muito bom em reunir uma quantidade de bons atores, que funcionam muito
bem juntos aqui, mas é preciso mais fôlego e originalidade para render um
grande filme.
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