sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Dores e lamentos

12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, EUA/Reino Unido, 2013)
Dir: Steve McQueen 



Arriscado é tudo aquilo que 12 Anos de Escravidão não é. O diretor Steve McQueen escolheu a forma mais clássica e sem maneirismos estilísticos para contar a história de luta de um negro nos EUA, nascido liberto, mas sequestrado e vendido como escravo no sul dos Estados Unidos. No entanto, o filme trafega sob um risco: justamente por manter uma abordagem tradicional, o longa beira com muita facilidade o panfletarismo, o didático pelo choque e o puro tom de denúncia.

Não há dúvidas do horror, desumanidade e grotesquidão que existe no ato de subjulgamento de alguém pela cor da pele, escravizando-o, algo que possui razões muito complexas e que deixou marcas sociais profundas que perduram até os dias correntes. O risco do filme é justamente esse, passar pelas questões que envolvem um tipo de história injusta e dolorosa sem ter nada de muito novo para acrescentar, nem uma maneira diferente de contá-la.

O “risco”, porém, tem dado bons resultados. A história de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) tornou-se uma das francas favoritas a vencedor do Oscar. Além das críticas muito positivas que vem angariando, aliado a tantos outros prêmios nessa temporada americana. É o tipo de filme que ganha força pela nobreza do tema, principalmente pela opção clara por um certo realismo, porque não parece haver muito a dizer além de mostrar o quão dura e humilhante é a vida de um escravo.



É muito curioso olhar para os filmes anteriores de McQueen e perceber ali um cineasta sagaz, com personalidade, disposto a fugir do óbvio. Hunger e Shame, especialmente esse primeiro por envolver questões sócio-políticas, têm um traço forte de originalidade e inquietação. Com 12 Anos de Escravidão, o diretor preferiu o óbvio. Está tudo lá: todo tipo de violência sofrida pelos escravos, a brutalidade dos senhores (com uma pitada de generosidade por parte de uns outros, para mostrar que nem todos são maus), a insanidade cruel dos capatazes, o ciúme da senhora, a idoneidade do abolicionista, as humilhações e agressões físicas.

Daí que é possível suscitar a questão: como falar de escravatura sem tocar nesses assuntos, sem passar por essas constantes? Maneiras para se contar qualquer história existem aos montes, mas a opção de McQueen é a mais classicista possível. Apesar disso, existe um fator que muito favorece as escolhas narrativas do filme: ele nunca é autopiedoso, não está ali para pieguices, para simplesmente chocar. É doloroso, claro, inspira indignação, mas nunca falseia nada. 

Nesse sentido, talvez a cena mais forte do filme nem seja a sessão de açoite sofrida por Patsey, a escrava vivida por uma competentíssima Lupita Nyong’o, mas sim, na primeira parte do filme, quando Solomon confronta uma escrava que chora copiosamente por sua condição de escrava, pelos filhos que perdeu, e, mais ainda, clama pelo direito de se lamentar daquela forma. A dor e o pranto estão escancarados ali como espalhados por todo o filme. A escolha de McQueen é o confronto direto, sem máscaras. Mas não deixa de ser também um tanto conservador.

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