segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O peso da eternidade

Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, Reino Unido/Alemanha/Grécia, 2013)
Dir: Jim Jarmusch



Esqueçam os filmes de horror em que os sugadores de sangue aparecem como seres das trevas assustadores, atacando humanos. Os vampiros de Jim Jarmusch vivem outros embates, o mais duro deles: com o próprio tempo. Seres imortais, estão relegados à eternidade e chegam ao mundo contemporâneo como que tomados de apatia e torpor, cansados, sentindo o arrastar dos dias.

As criaturas não saem à luz do sol e precisam de sangue para se alimentar, como ditam as regras clássicas do universo dos vampiros. Mas não estamos no terreno genérico dos filmes de horror. O que está em jogo aqui é a forma como o tempo pesa sobre esses personagens e promete continuar pesando, a eternidade como fardo num mundo não mais agradável para eles.

Na cena inicial, um movimento circular de câmera pega os personagens do alto, focando sua atenção no casal Eve (a multifacetada Tilda Swinton) e Adam (Tom Hiddleston), como se prenunciando um tempo que não para de girar, vagarosamente. Ele tem toda pinta de rockstar decadente, com tendências suicidas; ela é superculta, atenciosa e amorosa com o velho vampiro Marlowe (John Hurt) – o antigo dramaturgo? –, e atende ao chamado de Adam quando este, entediado de tudo, quer revê-la – são um casal, na verdade.

Amantes Eternos consegue manter, do início ao fim, um tom aguçado de nostalgia e morbidez sem nunca se tornar enfadonho. Cria de tal forma uma atmosfera soturna, que embala o espectador na vida não mais idílica daqueles vampiros. Como algo de expressionista, a narrativa tem lugar numa Detroit a mais realista possível, decadente e decrépita, abandonada em bancarrota, o que encontra um paralelo direto na rotina daqueles vampiros de cabelos desgrenhados e olhar cansado, tais quais hippies largados e desgastados, consumidos pelo tempo.

O filme só se permite uma quebra nesse tom com a entrada em cena de Ava (Mia Wasikowska), irmã de Eve, “jovem” e inconsequente, destilando impertinência para o desespero de Adam. É uma nova geração, vista com olhar de suspeita, aberta aos prazeres da vida moderna, ainda que continuem buscando o sangue mais fresco para beber. A presença inoportuna de Ava só reforça o contraste com aqueles adultos que parecem estancados no tempo.

Adam e Eve sempre evocam um passado mais idealizado, buscando referências que vão de Mary Shelley a Lord Byron. São personalidades artísticas com quem os personagens parecem ter convivido séculos atrás, compartilhando seu apreço pela atmosfera gótica e um romantismo mórbido, imortalizados nas artes. A sofisticação cultural que eles demonstram também funcionam como retrato de uma postura aristocrática que parecem já ter gozado. 

Mas se essas referências, inicialmente, revelariam certo ar de boçalidade erudita, no fundo, dizem muito sobre aqueles personagens agora deambulantes, rememorando um tempo de sofisticação e prazeres idos. O rock melódico da bela trilha sonora é só mais um elemento a reforçar um romantismo de tempos passados. Resta aos vampiros de Jarmusch vagarem pelo mundo, amparando-se um no outro.

Nenhum comentário: