segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Aspereza do mundo

The Rover – A Caçada (The Rover, Austrália/EUA, 2014)
Dir: David Michôd


Com Reino Animal, David Michôd, estreando no longa de ficção, filmou uma família sem escrúpulos, ligada à máfia, recheada de gente vil, ainda que à primeira vista não parecesse assim. Agora, o diretor amplia o sentimento de sordidez porque, em The Rover – A Caçada, toda uma sociedade já deixou para trás a dignidade, o senso de moral e nada é mais mascarado. Não há mocinhos ou bandidos e alguns poucos tentam sobreviver com seus princípios, escondidos dos demais.

Os personagens que povoam esse mundo distópico – num registro bem realista e endurecido que ganha corpo na paisagem desértica da Austrália – vivem como numa terra sem lei, depois que um colapso econômico abalou o mundo. É aí que encontramos Eric (Guy Pearce), o rosto marcado pelo tempo e pela brutalidade, solitário e destemido. Quando tem seu carro roubado por um grupo de pequenos ladrões durante uma fuga complicada, ele parte ao encontro cego dessa gangue a fim de reaver seu bem.

Nesse cenário westerniano, no entremeio entre o filme policial com toques de história apocalíptica, o que Michôd faz de melhor é construir uma atmosfera infame, suja, onde a violência é palavra de ordem. Trilha sonora pontual e evocativa ajuda muito nessa construção de algo fora do lugar. Mas apesar de um filme de perseguição, há algo de anticlimático na forma vagarosa como o tempo passa, no fluxo lento de ritmo, reflexo próprio do paradeiro que se tornou o mundo depois da crise.

Não deixa de ser um registro um tanto incomum para esse tipo de história, e ainda que se sustente bem como atmosfera, o filme se arrasta um tanto e perde força quando tenta dimensionar os personagens. O discurso de Eric na cadeia, por exemplo, é expositivo, maneira de revelar a brutalidade de um homem que, pelos seus atos agressivos e atitude dura, já se revela por si só uma pessoa que perdeu a fé na humanidade – perdendo a própria humanidade (e há um subtexto muito interessante revelado na exata cena final que torna essa atitude diante do mundo mais triste – e trágica – ainda).

E mesmo o encontro do protagonista com Rey (Robert Pattinson) surge como uma facilidade que o roteiro nem sempre dá conta de sustentar. Irmão de um dos integrantes do grupo de foragidos, abandonado em meio à fuga alucinada, Rey passa a ser a isca de Eric para encontrar os demais. Revela-se um personagem infantilizado, o caçula renegado pela “família” de criminosos, único amparo num universo hostil. 

Aliás, os dois atores carregam seus personagens com muita vibração, Pattinson surpreendendo na forma como nos faz crer na vulnerabilidade – física e psicológica – daquele garoto no meio de homens duros. Pearce, ainda que permaneça no mesmo tom, estabelece de cara a força de seu personagem. No fim das contas, The Rover está, ele mesmo, sempre no mesmo tom, apostando na aspereza das relações humanas e nessa apatia sangrenta, inescrupulosa, que tomou conta do mundo.

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