quarta-feira, 30 de abril de 2014

Torrente d’água e de fé

Noé (Noah, EUA, 2014)
Dir: Darren Aronofsky



O exagero sempre pareceu uma marca muito forte no cinema que Darren Aronofsky faz. Muitos que criticam o cineasta utilizam isso como caracterização pejorativa, embora seja daí, e de forma muito consciente e assumida, que ele desenvolveu grande parte de sua carreira (O Lutador é uma grande exceção a essa regra e, curiosamente, um de seus melhores filmes).

Ao transpor para o cinema a história bíblica de Noé, ele acaba aliando duas vontades que se cruzam: sua própria mania de grandeza, mais as forças da indústria do entretenimento que privilegia o espetáculo. Noé é isso: transforma as passagens bíblicas num grande embate entre bem e mal, entre homem e Natureza, entre vontade de Deus e vontade mundana. É uma forma de apropriação que não só espetaculariza o texto religioso, como faz com que ele não pareça, justamente, uma peça saída da Bíblia.

Não à toa que os Guardiões (personificação dos anjos caídos como figuras rochosas) pareçam personagens saídos da saga O Senhor dos Anéis e que o avô interpretado por Anthony Hopkins tenha algo de velho e sábio mago da floresta de uma fábula qualquer. O que era puramente religioso e simbólico torna-se fantasia e misticismo pelas mãos de Aronofsky e do roteirista Ari Handel.

Mas é uma pena que, mesmo nessa proposta, os conflitos e dilemas dos personagens sejam tão simplistas, marcados pelo maniqueísmo ou por uma fragilidade de enredo. É um tanto difícil, por exemplo, aceitar a forma determinada com que Noé (Russel Crowe) acredita estar diante de uma tarefa conferida a ele pelo Criador, a partir de uma “mensagem” em forma de sonho. E mesmo a maneira como sua família, descendente do bondoso Set, contrapõe-se aos homens de má fé da linhagem de Caim soa um tanto preguiçoso.

Toda essa construção segue até o grande embate quando o dilúvio de fato começa e a família de Noé embarca com os pares de animais de cada espécie na arca (e um intruso com o qual eles não contavam). Até então o filme rende bons momentos de adrenalina e a tomada das águas é o grande ápice disso.

Depois daí, a história encontra boa oportunidade para complexificar os personagens, e Noé passa a experimentar um dilema sobre a fé na humanidade e a possibilidade ou não de permitir à raça humana reabitar a Terra. Mas mais uma vez, os embates físicos põem em xeque o futuro da arca (e de todos os homens e animais vivos!) e ganham mais destaque, deixando um grande conflito interno tornar-se mais uma simples parábola como lição de moral ao fim. Noé entrega-se, com muita fé, ao espetacular.

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