quarta-feira, 16 de abril de 2014

Festival Varilux do Cinema Francês – Juventude agridoce



Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, França, 1959)
Dir: François Truffaut
 


Toda a ternura e paixão que François Truffaut depositou em seu longa-metragem de estreia permanecem como um dos retratos mais sinceros e bonitos da vida adolescente com propensão à delinquência. Visto na tela grande de um cinema, como homenagem prestada pelo Festival Varilux, Os Incompreendidos mantém sua força no intimismo de uma história que segue os rumos tortos do protagonista, sabidamente um grande alterego do próprio cineasta.

Antoine Doinel (personagem que vai ser retratado em outros filmes de Truffaut, compondo uma série que acompanhará o desenvolvimento pessoal e emocional do jovem até a fase adulta) é esse garoto-problema que apronta descaradamente na escola em companhia de um amigo também encrenqueiro. A relação com a família é um tanto conturbada, equilibrada por uma aparente normalidade.

Mais do que contar a história desse personagem, o filme procura fazer um retrato sincero de uma juventude poucas vezes mostrada no cinema. É um filme direcionado para adultos sobre crianças e adolescentes e sua maneira de enxergar as coisas ao redor. Porque a moral da adolescência é não se importar com o mundo responsável dos adultos; mas quando um jovem é marcado pela rejeição familiar, a coisa pode se tornar bem mais difícil, e a delinquência surge como um caminho atrativo. Truffaut cresceu, mas não se esqueceu das agruras de sua infância e coloca no filme muito do que ele mesmo viveu.

O cineasta filma com um senso de liberdade incrível as travessuras de Antoine e encontra no ritmo do filme um crescendo que vai das traquinagens mais bobas no colégio, até chegar a momentos decisivos na vida do garoto quando a desobediência não tem mais volta. Alia-se a isso um texto sem firulas, cotidiano, que inclui os problemas familiares do personagem sem peso excessivamente dramático. A fotografia naturalista dá conta de filmar a cidade de Paris, belissimamente, como um espaço de descobertas e interações.

Sem uma atuação caricata das crianças, é interessante perceber a naturalidade com que todas elas surgem em cena. O protagonista Jean-Pierre Léaud é a mais pura encarnação dessa simplicidade tão espontânea. Mesmo nas cenas mais densas, como a prisão do garoto e a conversa com um psicólogo no reformatório, Léaud demonstra uma maturidade sem igual diante das câmeras. 

Diferente de outros cineastas da Nouvelle Vague francesa, donos de tom um tanto mais intelectualizado e/ou anárquico na forma de lidar com a narrativa, Truffaut parece falar com o coração, da forma mais simples e humana possível, traço da excelência de grande parte de sua filmografia. Os Incompreendidos é o tipo de filme feito com paixão e carinho, em que ternura e dureza mesclam-se na tela.

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