Os Incompreendidos
(Les Quatre Cents Coups, França, 1959)
Dir: François Truffaut
Toda a ternura e paixão que François Truffaut depositou em
seu longa-metragem de estreia permanecem como um dos retratos mais sinceros e bonitos
da vida adolescente com propensão à delinquência. Visto na tela grande de um
cinema, como homenagem prestada pelo Festival Varilux, Os Incompreendidos mantém sua força no intimismo de uma história
que segue os rumos tortos do protagonista, sabidamente um grande alterego do
próprio cineasta.
Antoine Doinel (personagem que vai ser retratado em outros
filmes de Truffaut, compondo uma série que acompanhará o desenvolvimento
pessoal e emocional do jovem até a fase adulta) é esse garoto-problema que
apronta descaradamente na escola em companhia de um amigo também encrenqueiro.
A relação com a família é um tanto conturbada, equilibrada por uma aparente
normalidade.
Mais do que contar a história desse personagem, o filme
procura fazer um retrato sincero de uma juventude poucas vezes mostrada no
cinema. É um filme direcionado para adultos sobre crianças e adolescentes e sua
maneira de enxergar as coisas ao redor. Porque a moral da adolescência é não se
importar com o mundo responsável dos adultos; mas quando um jovem é marcado
pela rejeição familiar, a coisa pode se tornar bem mais difícil, e a delinquência
surge como um caminho atrativo. Truffaut cresceu, mas não se esqueceu das
agruras de sua infância e coloca no filme muito do que ele mesmo viveu.
O cineasta filma com um senso de liberdade incrível as
travessuras de Antoine e encontra no ritmo do filme um crescendo que vai das
traquinagens mais bobas no colégio, até chegar a momentos decisivos na
vida do garoto quando a desobediência não tem mais volta. Alia-se a isso um texto sem firulas, cotidiano, que inclui os
problemas familiares do personagem sem peso excessivamente dramático. A
fotografia naturalista dá conta de filmar a cidade de Paris, belissimamente,
como um espaço de descobertas e interações.
Sem uma atuação caricata das crianças, é interessante
perceber a naturalidade com que todas elas surgem em cena. O protagonista
Jean-Pierre Léaud é a mais pura encarnação dessa simplicidade tão espontânea.
Mesmo nas cenas mais densas, como a prisão do garoto e a conversa com um
psicólogo no reformatório, Léaud demonstra uma maturidade sem igual diante das
câmeras.
Diferente de outros cineastas da Nouvelle Vague francesa,
donos de tom um tanto mais intelectualizado e/ou anárquico na forma de lidar
com a narrativa, Truffaut parece falar com o coração, da forma mais simples e
humana possível, traço da excelência de grande parte de sua filmografia. Os Incompreendidos é o tipo de filme
feito com paixão e carinho, em que ternura e dureza mesclam-se na tela.
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