Eu, Mamãe e os Meninos (Les Garçons et Guillaume, à Table!, França/Bélgica, 2013)
Dir:
Guillaume Gallienne
Eu, Mamãe e os Meninos não é só uma comédia divertida e leve, arquitetada com uma pitada de frescor narrativo, mas traz também uma abordagem curiosa sobre a questão dos gêneros sexuais. Pois vejam só, Guillaume (vivido pelo próprio diretor e roteirista Guillaume Galliene) vê-se como um homem, inicialmente tem apreço por garotas, mas sua mãe insiste em tratá-lo como uma menina. “Os meninos e Guillaume, à mesa”, grita a mãe à hora do almoço, chamando o protagonista e seus dois irmãos. Ele não pertence ao clube do bolinha.
Nesse
filme de tons almodovarianos/freudianos (há até uma sequência que se passa na
Espanha), em que a mãe surge como “responsável” pelos caminhos sexuais do filho
(ou antes, é ela quem enxerga um outro lado dele adormecido), o protagonista
debate-se com seus confusos desejos amorosos, o que rende, é claro, muitas
situações cômicas e constrangedoras.
Não
à toa é o próprio Galliene quem interpreta essa mãe excêntrica,
ao mesmo tempo arredia e tão presente na rotina de Guillaume. Emula quase que
um Psicose, caso as situações não pendessem
para o gracejo. Com texto leve e ligeiro, o filme ri desse personagem
desencontrado num caminho de autoconhecimento, que surge mais complexo do que
aparenta ser, vide um final curioso e revelador.
Narrado
em primeira pessoa, com o ator-personagem subindo ao palco do teatro para
contar sua história, a narrativa ganha certo frescor, como num diário íntimo de
memórias compartilhadas com o público. O protagonista fantasia sobre si e sua mãe,
que surge como uma aparição fabulesca nas mais variadas situações e também é
objeto de desvendamento. Ao tentar se compreender, ele entende também sua mãe e a
forte relação existente entre os dois. Tudo com muita graça, sem medo do
ridículo.
Uma Viagem
Extraordinária
(The Young and Prodigious T.S. Spivet, França/Canadá, 2013)
Dir:
Jean-Pierre Jeunet
É muito fácil reconhecer o diretor de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain nesse novo filme. Mais uma vez, Jean-Pierre Jeunet apela para a fantasia através da história do garotinho, gênio prodígio da ciência, que cria uma tal máquina de movimento perpétuo e ganha um prêmio de reconhecimento numa universidade importante. Mas ele mora longe e, como ninguém em casa sabe da premiação, o filme logo se torna um road movie que acompanha a fuga do menino em busca de sua láurea.
A
história está tão interessada em equilibrar melancolia e doçura, que soa
muitas vezes como algo emotivamente apelativa. Os obstáculos que ele encontra
pelo caminho são facilmente contornáveis pela imaginação fértil desse
personagem-narrador que controla a narrativa. Ou antes, são minimizados pelo
próprio roteiro como um atestado de comiseração de todos que cruzam seu caminho
e são tão condescendentes com ele.
Não
parece haver perigos reais nesse universo lúdico em que o protagonista
embala-se rumo a seu prêmio, recordando-se de sua família sempre que possível,
em especial do irmão gêmeo que morreu vítima de um acidente com arma de fogo. E
será a relação familiar a questão que retoma no final do filme, um tanto como
reconciliação insossa porque o conflito entre eles nem parece um problema de
fato, mas pelo menos rende um bom momento de reencontro familiar, sem que os
personagens estejam envoltos a estereótipos (a personagem excêntrica da mãe
vivida por Helena Bonham Carter, por exemplo, surge natural e lúcida como
poucas vezes ela é vista).
Se
não é surpresa que a roupagem estética aqui seja tão parecida com os filmes
anteriores do cineasta, com as habituais cores quentes e fortes, realçadas por
uma fotografia cristalina, a geografia por onde o filme caminha é totalmente
diferente. Uma Viagem Extraordinária
é um filme americano, falado em inglês, que se passa nas pradarias de Montana, no
noroeste dos Estados Unidos, país que o garotinho cruza na sua jornada
(poderia-se até questionar o que um filme desses faz num festival de cinema
francês!). No fim do trajeto, o
saldo só é positivo se o espectador contenta-se com essa história água com
açúcar bem embalada.
Uma Juíza Sem
Juízo
(9 Mois Ferme, França, 2013)
Dir:
Albert Dupontel
Também de comédias bobas e caricaturais vive o cinema francês (aliás, o próprio Festival Varilux mostra um pouco do que é o cinemão francês de caráter mais comercial). Uma Juíza Sem Juízo começa até bem na apresentação da protagonista, uma mulher integralmente dedicada a seu trabalho, mas com vida amorosa na estaca zero. O filme torna-se uma comédia de erros quando ela (Sandrine Kiberlain) vê-se grávida de quase nove meses, sem ter sentido os sintomas da gravidez (!), e ainda por cima descobre que o pai da criança é um criminoso de periculosidade alta (vivido por Albert Dupontel, diretor do longa).
Há
muito de estapafúrdio nessa trama, com boas pitadas de humor negro, coisas que
o filme assume com desfaçatez, como se jogasse a verossimilhança pra cima. Tudo
isso em prol de situações engraçadas e bizarras que nem sempre funcionam a
contento e que vão ficando cada vez mais rocambolescas e difíceis de embarcar.
O desenho dos personagens segue a cartilha da
caricatura, pois é assim que o filme tenta extrair humor. O mais satisfatório
deles é o advogado gago e atrapalhado (Nicolas Marié) que defende o criminoso, engasgando sempre quando
fala. Mesmo os tipos da juíza moralmente correta e do criminoso durão e frio,
quando desconstroem-se através de um apelo ao melodrama, não conseguem soar
muito verdadeiros.
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