sexta-feira, 25 de abril de 2014

Festival Varilux do Cinema Francês – Contos lúdicos


Eu, Mamãe e os Meninos
(Les Garçons et Guillaume, à Table!, França/Bélgica, 2013)
Dir: Guillaume Gallienne


Eu, Mamãe e os Meninos
não é só uma comédia divertida e leve, arquitetada com uma pitada de frescor narrativo, mas traz também uma abordagem curiosa sobre a questão dos gêneros sexuais. Pois vejam só, Guillaume (vivido pelo próprio diretor e roteirista Guillaume Galliene) vê-se como um homem, inicialmente tem apreço por garotas, mas sua mãe insiste em tratá-lo como uma menina. “Os meninos e Guillaume, à mesa”, grita a mãe à hora do almoço, chamando o protagonista e seus dois irmãos. Ele não pertence ao clube do bolinha.

Nesse filme de tons almodovarianos/freudianos (há até uma sequência que se passa na Espanha), em que a mãe surge como “responsável” pelos caminhos sexuais do filho (ou antes, é ela quem enxerga um outro lado dele adormecido), o protagonista debate-se com seus confusos desejos amorosos, o que rende, é claro, muitas situações cômicas e constrangedoras.

Não à toa é o próprio Galliene quem interpreta essa mãe excêntrica, ao mesmo tempo arredia e tão presente na rotina de Guillaume. Emula quase que um Psicose, caso as situações não pendessem para o gracejo. Com texto leve e ligeiro, o filme ri desse personagem desencontrado num caminho de autoconhecimento, que surge mais complexo do que aparenta ser, vide um final curioso e revelador.

Narrado em primeira pessoa, com o ator-personagem subindo ao palco do teatro para contar sua história, a narrativa ganha certo frescor, como num diário íntimo de memórias compartilhadas com o público. O protagonista fantasia sobre si e sua mãe, que surge como uma aparição fabulesca nas mais variadas situações e também é objeto de desvendamento. Ao tentar se compreender, ele entende também sua mãe e a forte relação existente entre os dois. Tudo com muita graça, sem medo do ridículo. 


Uma Viagem Extraordinária (The Young and Prodigious T.S. Spivet, França/Canadá, 2013)
Dir: Jean-Pierre Jeunet 


É muito fácil reconhecer o diretor de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain nesse novo filme. Mais uma vez, Jean-Pierre Jeunet apela para a fantasia através da história do garotinho, gênio prodígio da ciência, que cria uma tal máquina de movimento perpétuo e ganha um prêmio de reconhecimento numa universidade importante. Mas ele mora longe e, como ninguém em casa sabe da premiação, o filme logo se torna um road movie que acompanha a fuga do menino em busca de sua láurea.

A história está tão interessada em equilibrar melancolia e doçura, que soa muitas vezes como algo emotivamente apelativa. Os obstáculos que ele encontra pelo caminho são facilmente contornáveis pela imaginação fértil desse personagem-narrador que controla a narrativa. Ou antes, são minimizados pelo próprio roteiro como um atestado de comiseração de todos que cruzam seu caminho e são tão condescendentes com ele.

Não parece haver perigos reais nesse universo lúdico em que o protagonista embala-se rumo a seu prêmio, recordando-se de sua família sempre que possível, em especial do irmão gêmeo que morreu vítima de um acidente com arma de fogo. E será a relação familiar a questão que retoma no final do filme, um tanto como reconciliação insossa porque o conflito entre eles nem parece um problema de fato, mas pelo menos rende um bom momento de reencontro familiar, sem que os personagens estejam envoltos a estereótipos (a personagem excêntrica da mãe vivida por Helena Bonham Carter, por exemplo, surge natural e lúcida como poucas vezes ela é vista).

Se não é surpresa que a roupagem estética aqui seja tão parecida com os filmes anteriores do cineasta, com as habituais cores quentes e fortes, realçadas por uma fotografia cristalina, a geografia por onde o filme caminha é totalmente diferente. Uma Viagem Extraordinária é um filme americano, falado em inglês, que se passa nas pradarias de Montana, no noroeste dos Estados Unidos, país que o garotinho cruza na sua jornada (poderia-se até questionar o que um filme desses faz num festival de cinema francês!). No fim do trajeto, o saldo só é positivo se o espectador contenta-se com essa história água com açúcar bem embalada.


Uma Juíza Sem Juízo (9 Mois Ferme, França, 2013) 
Dir: Albert Dupontel
 

Também de comédias bobas e caricaturais vive o cinema francês (aliás, o próprio Festival Varilux mostra um pouco do que é o cinemão francês de caráter mais comercial). Uma Juíza Sem Juízo começa até bem na apresentação da protagonista, uma mulher integralmente dedicada a seu trabalho, mas com vida amorosa na estaca zero. 
O filme torna-se uma comédia de erros quando ela (Sandrine Kiberlain) vê-se grávida de quase nove meses, sem ter sentido os sintomas da gravidez (!), e ainda por cima descobre que o pai da criança é um criminoso de periculosidade alta (vivido por Albert Dupontel, diretor do longa).

Há muito de estapafúrdio nessa trama, com boas pitadas de humor negro, coisas que o filme assume com desfaçatez, como se jogasse a verossimilhança pra cima. Tudo isso em prol de situações engraçadas e bizarras que nem sempre funcionam a contento e que vão ficando cada vez mais rocambolescas e difíceis de embarcar.

O desenho dos personagens segue a cartilha da caricatura, pois é assim que o filme tenta extrair humor. O mais satisfatório deles é o advogado gago e atrapalhado (Nicolas Marié) que defende o criminoso, engasgando sempre quando fala. Mesmo os tipos da juíza moralmente correta e do criminoso durão e frio, quando desconstroem-se através de um apelo ao melodrama, não conseguem soar muito verdadeiros.

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