quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Sonhos de dignidade

A Classe Operária Vai ao Paraíso (La Classe Operaia Va in Paradiso, Itália, 1971)
Dir: Elio Petri



Do cinema político que frutificou na Itália no pós-guerra e por um bom tempo depois disso, retomando com força na década de 60 e 70, A Classe Operária Vai ao Paraíso não é só um de seus principais expoentes, mas um filme de grande envergadura poética. Uma poética-política, digamos. Sem soar panfletário, Elio Petri faz uma obra contundente e narrativamente rica, claramente militando pelas causas comunistas do operariado, mas nunca meramente denuncista.

Estão lá os trabalhadores conscientes da exploração capitalista panfletando e tentando angariar apoio entre seus iguais que caminham em direção à fabrica onde irão passar o dia, labutando para ganhar bem menos do que merecem, sem outros direitos. Um dos maiores trunfos do filme é se apegar a um protagonista inicialmente distante dos ideais socialistas da luta de classes. Controverso, bruto e mesmo assente com o tratamento que a fábrica dá aos seus funcionários, Lulù Massa (Gian Maria Volonté), ele mesmo tido como um modelo de bom operário, vê-se obrigado a encarar o lado fraco da corda, o mesmo em que ele se encontra, mas do qual não enxergava (ou não queria enxergar) as explorações sofridas. Até perder um de dos dedos numa máquina do trabalho e sentir, literalmente na pele, o que significa ser desvalorizado por aqueles a quem doa sua força de trabalho.

Lulù, mesmo que reticente, vai aderindo às lutas de classe, inicialmente numa posição mais de observador do que de alguém próximo a um agitador politizado levantando bandeiras e empunhando cartazes. Ele continua trabalhando, olha ao redor, se sente confuso apertado contra forças antagônicas, e assim vai passando por transformações ideológicas a fim de defender seus direitos como trabalhador, mesmo que à margem da luta, estranhando seu novo posto de opositor ao sistema. 

Nesse sentido, é um filme de tomada de consciência, muito embora o tom nunca é de adesão total a uma causa. Os acordes da música de Ennio Morricone sugerem desde o início uma atmosfera combativa, que martela, como uma chamada para a ação, prenúncio dos enfrentamentos ideológicos e mesmo de força física entre trabalhadores e patrões. A montagem, por sua vez, é tomada por essa energia com seus cortes secos e rápidos, fazendo ver a urgência de uma atitude a ser assumida diante do descaso.


Daí que A Classe Operária Vai ao Paraíso é um filme irado, agressivo, tanto pelo próprio ritmo da narrativa, quanto pela atitude de seus personagens. Mistura o temperamento estourado do sangue quente latino com a própria veia politizada com que a classe operária defende seus direitos. Lulù grita com sua esposa e o filho pequeno desta, briga com os próprios companheiros (até para se fazer escutar por sobre o barulho das máquinas), assim como os operários gritam para engrossar a luta e demarcar a posição de firmeza frente a necessidade de reivindicar. Assim, o clima é sempre de combate, duro.

Palma de Ouro em Cannes em 1972 (dividindo o prêmio com outro exemplar do cinema político italiano, O Caso Mattei, de Francesco Rosi), o filme faz um reverência aos trabalhadores e suas batalhas por dignidade no campo trabalhista. Por mais promissores que sejam os ganhos alcançados (e o próprio Lulù nem parece compreender exatamente o que significam), as conquistas ideais parecem ainda distantes. Distantes como no paraíso aonde só é possível chegar no sonho. Enquanto isso, a máquina do capital continua a ser girada por mãos calejadas.

2 comentários:

Wallace Andrioli Guedes disse...

Rapaz, assisti a esse filme numa sessão de péssima qualidade, organizado pelo DCE (ou por algum diretório acadêmico) da UFF, quando cursava mestrado. Preciso rever, até porque na época achei-o apenas bom.

Rafael Carvalho disse...

Wallace, eu achei fenomenal desde o início. Existe uma noção de ritmo que incita a ação (política, no caso) muito acentuada. Além da história não ser em momento algum meramente denuncista. Como disse um crítico aqui da Bahia, é a diferença entre o engajado e o panfletário.