terça-feira, 14 de agosto de 2012

Curtinhas

A Vida em Um Dia (Life in a Day, EUA/Reino Unido, 2011)
Dir: Kevin McDonald e outros


Uma bela surpresa esse filme-colagem. Partindo de uma proposta coletiva em que pessoas anônimas do mundo todo enviam vídeos que fizeram num determinado dia do ano (24 de julho de 2010), o filme tenta reconstruir e reconfigurar, cronologicamente, acontecimentos que se deram nesse período em partes diversas do globo. Seu maior mérito reside numa montagem felicíssima ao colocar junto imagens tão diversas em tratamento e representação cultural, mas que acabam formando um todo bem coeso. Nem sempre o distante, o outro, é tão diferente assim. Produzido pelos irmãos Ridley e Tony Scott em pareceria com o YouTube (onde o filme se encontra disponível para ser assistido online), A Vida em Um Dia é reflexo contemporâneo da possibilidade de qualquer um em disponibilizar seus registros caseiros de imagens em movimento, marca indelével da geração digital.

Há ainda uma porção de ótimas cenas que parecem simples, mas ganham uma força enorme em meio ao todo, a despeito da simplicidade técnica. Minhas preferidas são o menino dando bom dia à mãe, a mãe amamentando o bebê, o senhor agradecendo a equipe do hospital que o operou, a garota dizendo que quer existir, mesmo que nada de incrível tenha acontecido a ela naquele dia. A maior parte das cenas funciona como excertos independentes, mas vistos em conjunto, produzem uma experiência bela pelo que de humanidade, mesmo a mais cotidiana, se encontra ali.


Nanook, O Esquimó (Nanook of the North, Reino Unido, 1922)
Dir: Robert J. Flaherty


Para além do marco histórico que Nanook, O Esquimó representa na história do Cinema e do controverso nascimento do filme documentário, a obra antropológica de Robert Flaherty pode ser vista, também, como um belo olhar para uma cultura distante e distinta, a partir de seu caráter exótico. Com certeza que em 1922 o modo de vida dos esquimós do norte do Canadá, mais especificamente um povo nativo conhecido como inuit, cercaria de interesse as imagens em movimento registradas de seu modo de vida. Mas Flaherty consegue extrair dali um senso de humanidade latente, esse sim um dos grandes méritos daquela história. Por mais antropológico que seja o olhar do diretor, não se nota em nenhum momento sua relação com os inuits como sendo de superioridade, os esquimós como objetos científicos a serem observados pelo homem “civilizado” (ele nem era, por formação, um antropólogo).

Existe todo um repeito e mesmo admiração com que o cineasta filma os passos de sobrevivência de Nanook e sua família, quase como se estivesse ali como amigo. Já pelos letreiros percebe-se esse tom de consideração, em especial no início quando ele informa da morte de Nanook dois anos depois das filmagens terminadas. O filme celebra a vida simples, artesanal e árdua, a luta diária daquele povo para comer e se proteger do frio intenso e dos predadores. Extrai graça dos primeiros passos e ensinamentos dos filhos da família e aprende, com todos, os artifícios de sobrevivência no ambiente inóspito. Tudo registrado, e principalmente encenado!, com a precisão de quem documenta a vida “real”, pelas mãos de um cineasta que admite não ter grande experiência com o aparato de cinema. O resultado, para além do marco histórico, é também um filme terno, como o sono final e tranquilo de Nanook faz transparecer.


Corumbiara (Idem, Brasil, 2009)
Dir: Vincent Carelli


Ultimamente, filmes sobre a situação indianista no Brasil vêm se destacando como temática de grande interesse, resultando em ótimas obras, casos de Serras da Desordem e Terra Vermelha (esse, uma coprodução com a Itália). Corumbiara é mais desses trabalhos contundentes, com veia de denúncia social, sobre o massacre da população de índios no sul de Rondônia há mais de vinte anos, encobertado pelo falatório geral de que as tribos não existiam e nem habitavam o local, rico pela exploração madeireira. Se a grande questão que se coloca é se aqueles índios existiam mesmo ou não, o filme não perde tempo com conspirações, preferindo provar a primeira opção através de imagens. 

Daí que a dúvida vai se dissipando à medida em que o difícil contato com aqueles indígenas vai sendo feito, e o que eram somente dois remanescentes da tribo, escondidos e temerosos, se revelam serem mais dois, depois uma idosa, umas crianças, uma tribo inteira que vai tomando corpo na tela, provando a existência com sua presença. Vicente Carelli, em parceria com o indigenista Marcelo Santos, retoma o tema e desvenda os meandros por trás da história escusa, revelando por dentro o descaso que a causa indígena sempre teve no Brasil. É, sobretudo, um filme de pesar, mas ainda assim com coragem suficiente pra mostrar a cara (e o canto, como na bela cena final) daqueles que resistem.

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