quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Festival Varilux de Cinema Francês – Parte IV



Titeuf (Titeuf, Le Film, França, 2011)
Dir: Zep
 


Cobrindo a cota de animação deste ano, com pegada mais infantil, o Festival Varilux exibiu o engraçadinho e espirituoso Titeuf (ano passado teve o bonitinho Um Gato em Paris, com a mesma pegada pueril). Entramos no universo de uma criança de oito anos que lida com as inseguranças que lhe chegam a partir da paixonite que nutre por uma coleguinha esnobe do colégio ou a relação de separação de seus pais, tudo muito simpático na forma como apresenta a ingenuidade do garoto.

O nome do protagonista é uma brincadeira sonora com a expressão “tête d’oeuf” (cabeça de ovo) que, se falada rapidamente, soa como Titeuf. O diretor Zep (nome artístico de Philippe Chappuis) é um famoso cartunista suíço que criou o personagem nos quadrinho no início da década de 90. Dono de um traço simples, cuja maior qualidade está nos detalhes físicos de seus personagens (Titeuf e seu topete são inconfundíveis), faz jus aos cartoons europeus como Asterix e Tintin.

Mas outra de suas qualidades que transparece aqui no filme é um texto com momentos bem inventivos e realmente engraçados, com as trapalhadas de Titeuf e seus amigos gerando boas risadas. O tom de imaginação não fica de fora já que é nesse âmbito que os pequenos mais se destacam, e Titeuf tem uma facilidade nata de misturar realidade e fantasia.

Para um filme destinado principalmente ao público infantil, é curioso notar o interesse do personagem pelas coisas relacionadas a namoro e sexo, tipo de curiosidade que um garoto de oito anos exprime com o mais absoluto despudor. O filme trata essas questões com muita graça, próprio de um humor francês mais despojado e menos moralista, mas sem exageros, claro. É um filme agradável, no visual e no enredo.


O Monge (Le Moine, França/Espanha, 2011)
Direção: Dominik Moll


O Monge poderia muito bem se assemelhar a um dramalhão novelesco, com reviravoltas, surpresas e descobertas que lembra uma trama rocambolesca, tantos são os entrecruzamentos das tramas e dramas de seus personagens. Mas longe de um possível tom lírico, o gótico e o trágico rodam a obra, tomando de mistério a rotina de um convento de monges capuchinhos na Espanha de meados do século XVII. O filme é adaptado do romance gótico homônimo escrito pelo inglês Matthew G. Lewis em 1796.

A figura central aqui é o padre Ambrósio (Vincent Cassel), órfão deixado à porta do convento, criado naquele ambiente e formado para ser um grande orador religioso, dom que o dota de prestigio e admiração por parte do povo que assiste, hipnotizado, a suas pregações. Ambrósio é também um exemplo de devoção (assim como a Luce de Aqui Embaixo), exibe uma austeridade que impõe o respeito dos demais no convento.

Mas o filme acrescenta no enredo outros personagens, como o misterioso noviço que deseja se juntar aos monges depois que sofreu um terrível acidente que deixou seu rosto e parte do corpo queimados, usando uma máscara o tempo todo para se proteger do sol (criando, assim, uma figura das mais misteriosas). Há ainda a história paralela do casal apaixonado, ele um nobre rico e ela uma bela e humilde jovem, sem títulos de nobreza, que insistem no relacionamento contra a vontade da mãe doente da moça. Junta-se ao todo o caso da freira que mantém um relacionamento carnal com um homem e deseja revelar seu segredo da melhor forma a fim de buscar ajuda.

O início do filme se ocupa em apresentar todas essas tramas enquanto percebemos o clima sombrio que a narrativa vai desenhando naquele ambiente, as trevas com que a Idade Média se fez conhecida marcando presença como atmosfera de tensão, onde deveria reinar a paz religiosa. A cena da procissão com os fiéis levando velas acessas sobre a cabeça, com a cera derretendo em cima deles, é uma das imagens fortes desse filme. E é essa percepção de temor que será posta aos personagens à medida em que suas histórias se cruzarem e as surpresas aparecerem.

Contribui bastante para essa atmosfera a fotografia que prima por um contraste forte entre claro e escuro (bem e mal? – por vezes representado na própria figura do padre Ambrósio). É uma luz intensa, seja do negrume que às vezes toma conta total de parte do quadro – e do rosto dos personagens –, ou do brilho que resplandece nas cenas externas, à luz forte do dia. É como se os personagens caminhassem a todo o momento nessa tênue fronteira, seus atos sendo o que os leva para um ou outro polo.

A relação de Ambrósio com o misterioso novato, principalmente depois que este último revelar certos poderes secretos para fazer curar as intensas dores de cabeça do monge, ganha ares de mistério que facilita a perigosa proximidade do pecado a que ele nunca se imaginou chegar. Mesmo assim, a narrativa faz questão de complicar as coisas, fazendo surgir surpresas que sempre põem em cheque as expectativas que o próprio filme gera. O contato que Ambrósio fará com a jovem apaixonada é um desses desvios que o filme apresenta sempre com novas nuances dramáticas. 

Se por vezes isso cria uma boa impressão de surpresas bem-vindas, o filme perde também no fio narrativo que segue por caminhos tortuosos, deixando de dar profundidade aos conflitos centrais dos personagens, mudando demais suas perspectivas dramáticas, o que atrapalha a identificação do público. O final piora um tanto as coisas, pois toma de coincidências para arrematar o destino daquelas pessoas. Assim,
O Monge tem suas curiosidades e acertos, mas não deixa de esconder suas irregularidades.


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