sábado, 18 de agosto de 2012

Festival Varilux de Cinema Francês – Parte II



E Agora, Aonde Vamos? (Et Maintenant, On Va Où, França/Líbano/ Egito/Itália, 2011)
Dir: Nadine Labaki


A diretora-escritora-atriz libanesa Nadine Labaki é aquela mesma de Caramelo, filme de tons feministas que lança luz sobre a condição das mulheres no Líbano com uma certa liberdade de gêneros que ajuda a desmistificar para o mundo ocidental a condição da mulher no país. E Agora, Aonde Vamos? segue essa mesma linha narrativa, embora as questões político-religiosas são mais acentuadas aqui.

O roteiro nunca nos situa em que lugar do país se passa nem o momento ou que conflito é aquele que se desenrola nos arredores. Passamos somente a conhecer as pessoas daquele lugar onde convivem cristãos e muçulmanos, espécie de microcosmo religioso do país, dividido entre as duas culturas, mesmo que de maioria árabe. É exatamente essa divisão de pensamentos a causadora maior dos conflitos bélicos que devastam o país e seus cidadãos.

Tomando o partido das mulheres, o filme se detém em apresentar os esforços delas em desviar a atenção dos homens, criando uma série de despistes (às vezes bem bobinhos) depois que surgem as notícias de um novo conflito que se aproxima. Elas se unem para fazer desde uma sessão fajuta em que a Virgem Maria incorpora uma delas para dar conselhos aos homens, até contratar prostitutas russas para distrair a atenção dos marmanjos em um banquete em que a comida é temperada com haxixe.

Mesmo que os temas de fundo sejam bastante sérios (e o filme guarda seus momentos de maior dureza), existem dois frescores muito bem-vindos: primeiro, um tom cômico que se acentua nos tipos que encontramos na aldeia e também nas situações inusitadas que as mulheres vão armando. É tudo o que o fraquíssimo A Fonte das Mulheres queria ser, mas não consegue pelo tratamento raso dos personagens e da luta de gêneros.

Além disso, E Agora, Aonde Vamos? se entrega a certas investidas subjetivas que dotam a narrativa de um tom aprazível, como os números musicais incluídos inusitadamente na história, sendo o primeiro deles um devaneio lúdico da personagem de Labaki que se vê bailando com o homem por quem é apaixonada; ou então a bela cena de abertura em que as mulheres, vestidas de negro, dançam enquanto caminham em direção ao cemitério. Mesmo que a dança aqui tem um quê de pesar, o insólito do ato é o que fica de mais positivo.

De qualquer forma, essas situações podem se mostrar um tanto ingênuas no seu propósito desviante, muito embora o filme assuma bem o pastiche e a galhofa ao abordar temas sérios, ao mesmo tempo em que não pretende buscar soluções para a situação de impasse que vivem os personagens. Os homens querem brigar e matar uns aos outros e as mulheres não aguentam mais tantas desgraça com seus familiares. A cena final, depois de ocorrida uma tragédia, revela um momento crucial em que o próprio título do filme se coloca como questão para todos. Não dá para continuar (se) enganando, e o filme tem consciência exata disso.


Polissia (Polisse, França, 2011)
Dir: Maïwenn


Polissia
poderia ser somente mais um filme de denúncias contra as atrocidades e abusos, na maioria sexuais, que são praticados contra crianças, especialmente por pais, parentes e amigos próximos, e seria muito relevante assim. Mas vai mais longe. Ao se apegar a um grupo que trabalha na Brigada de Proteção a Menores (BPM) de Paris, cria um mosaico de relações humanas na lida diária com as mais diversas situações, físicas e emocionais, fora e longe do trabalho.

Mas há ainda outra qualidade no filme: um equilíbrio muito interessante entre momentos fortes, de pura tensão e dor pelas crueldades que são expostas, com outras situações espirituosíssimas, beirando o politicamente incorreto, mas dotando o filme de uma humanidade bastante sincera. É como se seguisse o fluxo da vida daquelas pessoas, acompanhando suas tristezas, divertimentos e as surpresas, boas e más, que surgem inesperadamente no caminho de todos.

Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2011, o longa é dirigido e roteirizado por Maïwenn, atriz que também assume uma personagem no filme (fazendo uma bela dobradinha com E Agora, Aonde Vamos?). Ela vive uma tímida fotógrafa que chega para registrar o trabalho da BPM, acompanhando o dia-a-dia daquele grupo. Sendo ela a diretora do filme, faz mais sentido ainda que seja essa pessoa que espreita, observa e registra as ações. Vem de fora (como nós) para entender e descobrir um universo de tipos humanos e seus percalços pessoais e profissionais, sempre estressantes.

É nessa balança de emoções que o espectador pode ser colocado em cheque a qualquer momento. Entre uma brincadeira e outra (e o grupo é muito animado), sempre há mais um caso a ser resolvido, eles não param. É uma mãe imigrante que quer dar o filho aos policias porque moram na rua, ou a menina estuprada que dá luz a um bebê morto (ou abortado), ou o pai que abusou da filha, mas não pode ser “importunado” porque conhece gente poderosa. E o nó na garganta surge muitas vezes com muita sutileza, como quando uma garotinha confessa para a mãe: “Papai me ama demais”.

Assim como também as risadas são muito bem-vindas no filme. O caso da menina que foi obrigada a fazer sexo oral para conseguir de volta seu celular roubado é o momento mais hilário do filme, tipo de situação que transforma aqueles personagens em pessoas falíveis, tirando o peso de situação séria, mas que revela certo desprendimento do filme em não se fechar completamente ao drama, tocando uma nota só. No fundo, não há julgamentos, mas uma rotina que segue com seres humanos lidando com as doenças, maldades e sofrimentos de outros seres humanos.

Nesse sentido, o filme conta com uma montagem equilibradíssima, ao mesmo tempo em que todos os personagens (dos policiais às pessoas atendidas) e seus dramas são interessantes, sendo possível se identificar com todos eles, na alegria ou na tristeza. Também não há respostas fáceis nem soluções encontradas somente para facilitar o destino de cada um, mas uma rede mais complexa de situações e agravamentos que não precisa se concluir só porque a história está acabando. Polissia é um filme documental.

2 comentários:

Amanda Aouad disse...

Muito bons. Eu adorei E agora, achei sensacional a construção daquelas senhoras, o desespero delas para manter a paz. E as inserções musicais também são muito interessantes e divertidas.

Já Políssia é forte e bem desenvolvido. Aquele final é de um impacto impressionante.

Rafael Carvalho disse...

Amanda, acho que às vezes as artimanhas das mulheres soam um tanto bobinhas, mas o filme assume bem a galhofa que faz, sem perder o tom politizado. Sobre Polissia, acho que equilibrado é uma ótima palavra para definir o filme. Tem drama, choca, mas também sabe ser espirituoso.