segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Festival Varilux de Cinema Francês – Parte VII


Americano (Idem, França, 2011)
Dir: Mathieu Demy


Mathieu Demy é filho dos grandes diretores Jacques Demy e Agnès Varda. Ou seja, tem exemplos muito bons dentro de casa. Então o que explica essa bomba que é seu primeiro longa-metragem? Americano parece um filme todo errado, mal escrito e sem sutileza, levando seu protagonista (interpretado pelo próprio Demy) por caminhos sem consistência na forma como molda suas atitudes impensadas e de rompante, que parecem depor contra a vontade de não se ligar àquela sua história enterrada no passado.

O longa começa com o personagem recebendo a notícia da morte da mãe que vivia em Los Angeles, cidade onde ele mesmo nasceu, mas que deixou depois que seu pai francês o retirou da guarda da mãe irresponsável para levá-lo de volta para a França. Depois da ligação, ele desmaia e, no chão, a câmera fecha o plano no braço do rapaz que leva uma tatuagem escrita “Americano”. Seria uma forma interessante de introduzir o título do longa, mas não cola justamente porque o personagem quer se afastar totalmente de sua ligação com a mãe e com a América (logo no início do filme, ele faz questão de afirmar que é francês, apesar da dupla cidadania) e não faz sentido aquele nome ali, tatuado.

É esse tipo de inconsistência que o filme tem o descuidado de inserir na narrativa. Daí que é muito difícil entender o que leva o protagonista, estando em Los Angeles para tratar da morte da mãe, a remexer o passada dela e partindo na busca da prostituta Lola (Salma Hayek), uma antiga amiga da mãe para quem ela deixou seus bens. Porque não parece haver nenhum tipo curiosidade ou envolvimento desperto dele com toda aquela história passada. Mas o filme insiste em levá-lo por caminhos que vão se tornando cada vez mais tortuosos e problemáticos.

Intercalado por cenas do filme Documenteur, dirigido por Varda com o pequeno Demy interpretando um garoto que esta com a mãe em Los Angeles, em 1981, esse parece ser o único lampejo de interesse no longa - o fio de autobiografia -, mas que se perde pelo fiasco do todo. O filme se apega ao velho clichê do retorno do filho pródigo, porém só consegue meter os pés pelas mãos com um roteiro falho e cheio de pequenos detalhes fora de lugar. Parece um filme egocêntrico de um diretor sem talento, coisa que ele poderia ter herdado muito bem de ambos os lados de sua linhagem.


Adeus, Berthe ou O Enterro da Vovó (Adieu, Berthe – L’Enterrement de Mémé, França, 2011)
Dir: Bruno Podalydès

Apesar do título, Adeus, Berthe não é sobre a avó que morre de repente na história. Na verdade, ela nunca aparece no filme e pouco se discute sobre sua vida (embora haja uma bela cena em que os personagens leem as cartas de amor que ela trocou com um homem em sua juventude). O foco aqui é Armand (Denis Podalydès, irmão do diretor do filme, ambos roteiristas da história). Ele é um farmacêutico que vive e trabalha com a esposa Hélène (Isabelle Candelier), mas divide sua vida com a amante Alix (Valérie Lemercier), com quem ensaia truques de mágica para apresentar em festas infantis.

É com esse jogo duplo que Adeus, Berthe lida o tempo todo, através de traços de comédia banal, despretensiosa, que nem sempre rende boas gargalhadas, mas pelo menos diverte pelos tipos e situações que apresenta. Bons momentos são a visita ao cemitério com o encontro com uma viúva aos prantos, ou a visita à funerária de última geração. As aparições do pai mentalmente desequilibrado de Armand (numa curta participação do ótimo Pierre Arditi) rende também situações engraçadas.

Em nenhum momento o filme revela moralismo ou julga os descaminhos do atrapalhado Armand. Não existe também um fio narrativo certeiro já que entre os preparativos do enterro da avó, Armand tenta lidar da melhor forma possível com suas duas “famílias”, e o final aponta para um caminho dos mais interessantes e sem traumas. No fundo, o filme tem um carinho especial por todos os seus personagens, por mais falhos que sejam, e daí vem sua graça e simpatia.


Aliyah (Idem, França/Israel, 2011)
Dir: Élie Wajeman


Último filme visto nesse Festival Varilux de Cinema Francês, Aliyah é uma grata surpresa, mais uma vez expondo o caldo cultural que a França se tornou, especialmente para judeus. Mas a pretensão de Alex (Pio Marmaï) é de um caminho oposto: ele deseja deixar a França e se estabelecer em Israel para lá conseguir um trabalho digno. Mas veja, não é uma vontade de estar no país, ele está mais interessado em sair daquele lugar e se ver útil e livre de problemas.

Se Israel nos surge como um lugar de perigo bélico iminente (“ninguém que ir para lá”, diz certa personagem), para Alex pode ser uma grande oportunidade depois que seu primo lhe conta os planos de abrir um restaurante lá, ao que ele logo se prontifica a entrar como sócio. Isso porque sua vida na França tem lá seus percalços. Para sobreviver, ele trafica drogas na cidade e ainda precisa lidar com o irmão mais velho e viciado sempre a lhe pedir dinheiro e atrapalhar sua vida. Parece uma existência sem futuro.

Mas Alex não tem dinheiro nem sabe falar muita coisa de hebraico e pouco conhece as tradições judaicas que estão na raiz de sua família. É o esforço de adentrar nessa cultura e levantar grana (mesmo que com a venda das drogas) que faz o personagem crescer como pulsão do próprio filme. Às vezes parece ingênuo na sua investida incomum, mas o filme nunca julga seu personagem, acompanha com interesse seus desacertos e pequenas alegrias (como o envolvimento com uma bela moça) e nos faz torcer pelo seu sucesso.

O tremor da câmera na mão aqui é ideal para caracterizar essa trajetória repleta de possibilidades de falhas (e elas irão suceder na segunda metade do filme, inevitavelmente), com Alex andando a todo tempo na corda bamba. Mas ele se mantém sempre fiel a esse seu desejo, está lutando por sua própria realização, por mais simples e sem grandes ambições que sejam seus planos. Aliyah, acima de tudo, é um filme que acredita (e nos faz acreditar) na força do querer. 

2 comentários:

Kamila disse...

No ano passado, perdi esse festival. Neste ano, estava viajando e perdi novamente. Espero, apesar de saber que é difícil, que estes filmes tenham espaço novamente no mercado cinematográfico brasileiro. Parabéns pela cobertura e pelos textos.

Rafael Carvalho disse...

Kamila, o festival cresceu este ano, teve muita coisa legal. Intocáveis entra em cartaz normalmente nesse próximo final de semana. Sei que Polissia, Uma Garrafa no Mar de Gaza e O Monge, também chegarão no circuito comercial.