terça-feira, 21 de agosto de 2012

Festival Varilux de Cinema Francês – Parte III




A Vida Vai Melhorar (Une Vie Meilleure, França, 2011)
Dir: Cédric Kahn
 
A Vida Vai Melhorar
é dotado de um ritmo muito bem acentuado e sem esperas. As coisas na vida de Yann (Guillaume Canet) acontecem de forma muito rápida, com uma propensão surpreendente de ir mais distante no fundo do poço. Já na primeira sequência do filme descobrimos que ele é um chef de cozinha com dificuldade de encontrar emprego. Conhece a bela Nadia (Leïla Bekhti), sai com ela à noite, dorme em sua casa, logo depois já está amigo do filho pequeno dela, Slimane (Slimane Khettabi), para no momento seguinte já estarem fazendo planos para abrirem juntos um restaurante.

É a partir daí que os personagens se afundam numa mar de dívidas, empréstimos e transações bancárias que só os levam a mais problemas e sem a possibilidade financeira de concretizar o negócio. Até o final do filme muita coisa vai mudar no quadro de vida de Yann, desde um rompimento brutal com Nadia, até o momento em que ele se vê sozinho tomando conta do filho dela, já que a mulher decide tentar a vida no Canadá. O uso de fades para pontuar as elipses é dos mais bem-vindos, embora chegue o momento em que sempre se espera o pior da próxima sequência. Parece não haver redenção para os personagens.

Guillaume Canet é uma força de atuação, segurando as pontas de seu personagem com a mesma garra com que Yann não desiste nunca, sempre buscando novas alternativas, das mais ingênuas às mais desesperadas, para sair da cascata de dívidas em que se meteu. É ele quem carrega o fardo de suas próprias escolhas fracassadas e ainda precisa lidar com os imprevistos que se colocam em seu caminho.

Nesse sentido, a relação com Slimane, que se mantém durante todo o filme, ganha uma proximidade entre os dois muito interessante. Yann funciona como uma figura paterna, embora não pareça ter essa pretensão ou mesmo consciência de assumir esse papel. Mas é ele quem cuida, se importa e zela pela segurança e educação do garoto. Apesar dos apertos que ambos passam, o filme consegue ainda encontrar momentos de pequena alegria para os personagens, como na cena da pescaria no barco ou quando acompanham o jogo de futebol (entre França e Brasil) do lado de fora do estádio, o tipo de desprendimento que só faz aumentar a empatia do público para com esses seres errantes, ao mesmo tempo em que não lhes priva a possibilidade de alegria, mesmo que contida.

O diretor e roteirista Cédric Kahn nos faz acompanhar esse calvário cheio de esperança, mesmo quando as ações desesperadas dos protagonistas apontam para caminhos não mais virtuosos que eles são impelidos a cometer. Não deixa de ser irônico o momento em que Yann recrimina Slimane por ter roubado um tênis numa loja (ele diz: “ladrões não entram nesta casa”) quando ele mesmo terá seu momento de impulso desesperador.

Mas agora não existem mais bons e maus, coitados e culpados, mas sim a pura lei de sobrevivência e, principalmente, a vontade de continuar tentando, por mais desfavoráveis que sejam os ventos. O título desse filme remete então a um desejo que luta por se renovar a cada nova sequência, a cada novo passo incerto de seus personagens, a cada novo destino. É um filme duro, mas de onde brota uma sincera esperança.


Aqui Embaixo (Ici Bas, França, 2012)
Direção: Jean-Pierre Denis


Aqui Embaixo
é um filme sobre descrenças. Se a fé da Irmã Luce (Céline Sallette) vai sofrer seu abalo em dado momento, ela também vai aprender a não confiar nos homens, aqui no sentido de sexo masculino mesmo, através do amor proibido que começa a nutrir justamente pelo pároco Martial (Eric Caravaca) que está prestes a abandonar a batina, também ele insatisfeito com seu lugar no mundo.

A desilusão é então uma marca que o filme imprime à vida dessa freira tão dedicada às coisas de Deus, tida como um exemplo de fervor e devoção dentro do convento. Existe ainda na história um subtexto politizado já que se passa no ano de 1943 quando a França sofria com a ocupação nazista, enquanto o movimento de Resistência lutava contra as forças inimigas. Eram tempos difíceis, período de incertezas e desconfianças, refletindo muito bem no caráter da descrença religiosa que persegue os personagens.  

Mas há um problema de abordagem no longa. Ao lidar com sentimentos muito contraditórios dos personagens, em especial da Irmã Luce, nem sempre transmite consistência a toda essa dúvida interior que ela carrega. O filme prefere pontuar várias situações (como a relação ora amigável, ora conflituosa com as outras freiras e também com a madre superiora), do que se deter em momentos que possam dar mais significação aos conflitos internos dos personagens. Somente na segunda metade do filme que a situação vai, inevitavelmente, se afunilando para cercar a freira em sua desilusão (e o ato final dela é cheio de coragem e amargura).

Uma pena esse tratamento um tanto irregular do roteiro porque o trabalho da atriz Céline Sallette é de entrega total, seu olhar espelhando a todo o momento uma necessidade de se realizar, de encontrar felicidade, desejo que se transparece na sua atitude por vezes decidida, ainda que ela não deixa de questionar a Deus sobre quais os caminhos certos a seguir (e aqui o filme não consegue definir bem o quanto a personagem é temente ou, ao contrário, convicta do que quer fazer). Mas Luce não é passiva, ela pode estar cheia de dúvidas, mas age segundo suas convicções de momento e não hesita em tomar atitudes sérias e corajosas.

Em uma cena forte do filme, Luce e Martial estão escondidos numa cabana e não resistem ao desejo, transando ali mesmo no chão do local, desajeitadamente, como prova da inexperiência dos dois. A impressão é quase a de que ele a forçou àquilo, se desculpando depois por ter “roubado” a “virtude” dela, ao que ela contrapõe afirmando que aquilo só aconteceu porque ela quis. O maior impedimento de Luce então não são suas convicções ou os preceitos religiosos, mas a aceitação do outro, a sincronia de desejos. Mas nem sempre se pode confiar neles.

2 comentários:

Amanda Aouad disse...

Eu confesso que fui enganada pelo título, hehe. Mas, realmente o filme consegue nos envolver, surpreender e emocionar de uma forma muito interessante. A reviravolta dela, então, é forte.

Rafael Carvalho disse...

Você tá falando de A Vida Vai Melhorar, é isso Amanda? Bem, esse título é mesmo enganador, mas é nessa confiança que o protagonista se fia a todo momento, e acho isso muito bonito.