sábado, 23 de março de 2013

Marcado


A Caça (Jagten, Dinamarca, 2012)
Dir: Thomas Vinterberg 



Se tomarmos Thomas Vinterberg como um cineasta irregular, é de se louvar que esse seu mais novo filme seja um trabalho muito maduro, longe da histeria e “inovação” de um Festa de Família ou da dificuldade em desenrolar os dramas de seus personagens, como no recente Submarino. Mas com A Caça o cineasta parece ter amadurecido. Filme intenso, sobre tema sério e espinhoso, consegue montar uma história que, sob o ensejo de discutir a questão da pedofilia, é na verdade um estudo complexo sobre a mentira.

Porque sabemos desde o início que o professor de uma escola infantil, Lucas (Mads Mikkelsen), não cometeu nenhum tipo de ato indecente contra a pequena Klara (Annika Wedderkopp) que, por se sentir “rejeitada” por ele, passa a sustentar o fato do professor ter se mostrado nu para ela. Por sua vez, a posição de homem divorciado e de pouco trato com as mulheres, representada bem demais por um Mikkelsen reservado, ajuda a compor a fragilidade desse homem diante de acusações tão fortes, ainda mais vindas de uma criança tomada por inocente, que encontra na pequena cidade em que vive repercussões das mais negativas e arrasadoras para ele.

A vida de Lucas então se torna um inferno, e o filme acompanha seu esforço para manter a dignidade e lutar por inocência. É mais uma história dura, que sabe dar a dimensão exata de humanidade e consideração por todos os personagens, seja por Lucas e sua família que também sofre com as acusações, seja por seus amigos e colegas de trabalho que passam a enxergar o professor de forma mais cruel. Parece inevitável que o fio da mentira corroa e abale os julgamentos que as pessoas tinham sobre o protagonista. Sem demonizar nenhum desses personagens que confrontam Lucas, o filme monta uma situação que afunda na própria natureza corrosiva da fidelidade humana.


Filmado com a tensão que a história exige, mas sem abusar tanto da câmera trêmula, como podia muito bem ser um resquício artificioso do Dogma 95, Vinterberg acerta a mão ao lidar com o tempo do filme. Os acontecimentos se dão de forma pausada, na medida certa, a fim de valorizar a experiência emocional que é acompanhar esse homem acuado em sua própria comunidade, à medida que aumenta a crise entre os personagens através dessa hostilização. O filme se tona brutal a partir daí. 

Mas se há uma ressalva a fazer, ela está num epílogo desnecessário que arrasta o final do filme por minutos a mais, mastigando um pouco a resolução da história, beirando o moralismo até. Mesmo assim, na exata cena final, o filme, brilhantemente, faz questão de pontuar que, uma vez tido como caça por seus próprios pares, depois de permanecido na mira da vigilância social, um homem leva por muito tempo dentro de si o estigma da perseguição.

2 comentários:

Kamila disse...

Estou bastante curiosa para assistir "A Caça". Tenho lido ótimas recomendações sobre este filme. Conheço pouco da filmografia do Thomas Vinterberg e acho que essa é uma boa chance para me inteirar do estilo dele.

Rafael Carvalho disse...

Kamila, esse filme me parece bem distante dos demais do diretor, o que é uma boa porque não ia muito com a cara dele. Aqui, ele me surpreendeu, um cineasta maduro discutindo tema espinhoso. E o Mikkelsen está incrível no papel.