Caverna dos
Sonhos Esquecidos
(Cave of Forgotten Dreams, Canadá/EUA/França/Alemanha/Reino Unido, 2010)
Dir:
Werner Herzog
É interessante notar como a obra ficcional do alemão Werner Herzog se imbrica com sua produção documentária, pelo menos numa esteira temática. A simbiose entre homem e natureza e os embates de sobrevivência em ambiente hostil são algumas dessas preocupações que o cineasta carrega e coloca em seus filmes. Caverna dos Sonhos Esquecidos é mais uma variação disso, aliado ao tema do ambiente hostil, pouco conhecido do homem, daquilo que é tocado pela primeira vez.
Porque
a descoberta da caverna de Chauvet, no sul da França, que manteve preservada
uma série de pinturas rupestres feitos por homens pré-históricos há cerca de 30
mil anos já seria por si só um material rico de exploração documental,
tipicamente um assunto herzogiano. Mas o que enriquece o filme é a visão humanista
do diretor e sua obsessão não só pelo contato com as gravuras, mas com aquilo
que elas podem significar enquanto processo de feitura e, principalmente, o que
delas se depreende em relação aos homens que a criaram, suas sensações e desejos.
Pode
até soar um tanto ingênuo quando Herzog coloca a um dos pesquisadores coisas do
tipo “mas será que eles sonhavam, choravam à noite? Quais as esperanças deles?”. As
respostas parem impossíveis de prever, mas permanecem lá como curiosidades que
ultrapassam o mero registro de vestígios pictóricos, por mais incríveis que
eles sejam. Há um cuidado não somente em observar e descobrir, mas em
conjecturar, em termos mais poéticos.
De
fato, é uma descoberta impressionante, dada não só a qualidade do traço e a
perspectiva de movimento que algumas imagens têm (“quase uma forma de proto-cinema”,
reflete o cineasta), mas também o nível de preservação das gravuras, o que
torna a caverna uma preciosidade arqueológica. A posição de Herzog e sua
reduzida equipe em ter permissão para filmar no interior do local, uma vez que a entrada só é permite a alguns poucos pesquisadores, confere um tom de distinção e curiosidade
ao projeto, tornando o espectador um convidado especial no coração de uma das
grandes descobertas artístico-antropológicas sobre a pré-história.
Talvez
por isso a decisão de fazer o filme em 3D, mesmo que explorando com dificuldade
a profundidade de campo, devido ao espaço apertado do interior da caverna. O
recurso consegue engrandecer a vista interna do lugar, dimensionando em espaço
aquilo que já é formidável em termos de realização humana e ainda funciona como
celebração da descoberta e contato com material tão rico.
Há
ainda um epílogo genial que encerra o filme colocando em questão a posição do
homem moderno diante da trilha de descobertas sobre seus antepassados. Crocodilos
albinos surgem numa região próxima à caverna onde está instalada uma usina
nuclear. Num abismo de tempo, o cineasta questiona se nós, seres humanos,
não somos como esses crocodilos, um espécime peculiar num ambiente surreal. Olhando
para o passado, como a ajuda da luz das tochas que iluminam a caverna obscura (tal
como no cinema em que as imagens só ganham vida através da luz), Herzog
questiona o futuro da própria humanidade.
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