Dir: Asghar Farhadi
Quando o cinema iraniano despontou com visibilidade na década de 90, chamando atenção para o fôlego que sua produções conseguiam imprimir nos filmes, acentuando nomes como os de Abbas Kiarostami, Jafar Panahi, Bahman Ghobadi, dentre outros, a filmografia do país ficou marcada por uma certa ligação com o neorrealismo italiano e com o teor de denúncia social em um país que vive num regime sociopolítico castrante e opressor. O problema é que os filmes começaram a se repetir esteticamente, o que geralmente engessa a produção, apesar de ótimos trabalhos ainda serem feitos nesses termos.
Mas Asghar Farhadi parece fugir um tanto desses caminhos (assim como Abbas Kiarostami tem buscado sempre novas perspectivas para seus filmes). Foi assim com seu trabalho anterior, o ótimo e tenso Procurando Elly, e tem continuidade com esse seu mais novo filme, A Separação. Ambos se caracterizam pela abordagem naturalista, a discussão moral que envolve uma sociedade ainda teocrática, patriarcal e arbitrária, e um olhar para a vida urbana do Irã contemporâneo.
O filme problematiza o que parece ser a principal questão da história já na sua primeira cena, um plano único com os dois protagonistas, o casal em processo de desunião, diante do juiz. Na verdade, é a esposa Simin (Leila Hatami) quem luta por se divorciar do marido, mas tentando garantir alguns direitos, como a guarda da filha, o que a justiça iraniana lhe nega veementemente. Mas isso que poderia ser visto como o tema principal do longa, ganha outros contornos morais, políticos, jurídicos e religiosos, que engrandecem a película, num crescendo de complicações que sufocam os personagens em seus próprios problemas (como também acontecia de forma exemplar em Procurando Elly).
Pois A Separação é mais do que um filme sobre um casal em processo de divórcio. É sobre o que fazer quando o fim do casamento prenuncia uma série de desentendimentos e erros cometidos. Em torno de todo o drama familiar (estando a filha do casal no meio da turbulência), Nader (Peyman Moadi), o marido, ainda vai se envolver com a acusação de ter provocado o aborto da empregada contratada depois que sua mulher resolve sair de casa. Os embates dele com o marido desempregado da servente (Shahab Hosseini) são os mais intensos no filme, porque é possível se identificar com os dramas de cada um.
É aí que o roteiro, escrito pelo próprio Farhadi, é exemplar em desnudar as fragilidades daquelas pessoas, sem maniqueísmos ou facilidades, acrescentando a cada sequência contornos mais complexos da vida de cada um, para o bem ou para o mal, o que os humaniza bastante. Todos são sujeitos das circunstâncias, ninguém está livre das consequências que uma ação provoca, e todos sofrem bastante com isso. É assim que o filme põe o espectador em xeque, em posição de desconforto, pois é muito difícil escolher lados (apesar da predisposição em se identificar com os protagonistas, o que o filme também consegue quebrar). Ou melhor, talvez não seja necessário separar porque estão todos no mesmo barco que afunda aos poucos, agentes e pacientes de suas próprias atitudes.
Ao filmar com câmera na mão, valorizando os planos mais fechados, Fahadi se aproxima dos conflitos dos personagens como um observador atento, em sintonia com um elenco formidável na naturalidade com que compõe cada personagem em suas fraquezas. O texto do filme ainda coloca em evidência questões da moral iraniana e religiosa (a cena em que a empregada telefona para uma central estatal para saber se ela pode trocar a roupa do homem doente de quem cuida é bem marcante nesse sentido).
Como representante de novos caminhos para o cinema iraniano (lembrar que venceu, dentre outras coisas, o Urso de Ouro no Festival de Berlim e ainda o Oscar de Filme Estrangeiro), A Separação é um conto moral que tem sua força na maneira como seus conflitos se sucedem numa onda de desacertos, expondo a fragilidade das pessoas ali envolvidas. Num mesmo encadeamento de ações dramáticas envolvendo aquele grupo de personagens, peças de uma mesma rede social, o filme consegue ser bruto e também tocante. Tudo sem concessões, assim como a própria sociedade que os abriga.
Quando o cinema iraniano despontou com visibilidade na década de 90, chamando atenção para o fôlego que sua produções conseguiam imprimir nos filmes, acentuando nomes como os de Abbas Kiarostami, Jafar Panahi, Bahman Ghobadi, dentre outros, a filmografia do país ficou marcada por uma certa ligação com o neorrealismo italiano e com o teor de denúncia social em um país que vive num regime sociopolítico castrante e opressor. O problema é que os filmes começaram a se repetir esteticamente, o que geralmente engessa a produção, apesar de ótimos trabalhos ainda serem feitos nesses termos.
Mas Asghar Farhadi parece fugir um tanto desses caminhos (assim como Abbas Kiarostami tem buscado sempre novas perspectivas para seus filmes). Foi assim com seu trabalho anterior, o ótimo e tenso Procurando Elly, e tem continuidade com esse seu mais novo filme, A Separação. Ambos se caracterizam pela abordagem naturalista, a discussão moral que envolve uma sociedade ainda teocrática, patriarcal e arbitrária, e um olhar para a vida urbana do Irã contemporâneo.
O filme problematiza o que parece ser a principal questão da história já na sua primeira cena, um plano único com os dois protagonistas, o casal em processo de desunião, diante do juiz. Na verdade, é a esposa Simin (Leila Hatami) quem luta por se divorciar do marido, mas tentando garantir alguns direitos, como a guarda da filha, o que a justiça iraniana lhe nega veementemente. Mas isso que poderia ser visto como o tema principal do longa, ganha outros contornos morais, políticos, jurídicos e religiosos, que engrandecem a película, num crescendo de complicações que sufocam os personagens em seus próprios problemas (como também acontecia de forma exemplar em Procurando Elly).
Pois A Separação é mais do que um filme sobre um casal em processo de divórcio. É sobre o que fazer quando o fim do casamento prenuncia uma série de desentendimentos e erros cometidos. Em torno de todo o drama familiar (estando a filha do casal no meio da turbulência), Nader (Peyman Moadi), o marido, ainda vai se envolver com a acusação de ter provocado o aborto da empregada contratada depois que sua mulher resolve sair de casa. Os embates dele com o marido desempregado da servente (Shahab Hosseini) são os mais intensos no filme, porque é possível se identificar com os dramas de cada um.
É aí que o roteiro, escrito pelo próprio Farhadi, é exemplar em desnudar as fragilidades daquelas pessoas, sem maniqueísmos ou facilidades, acrescentando a cada sequência contornos mais complexos da vida de cada um, para o bem ou para o mal, o que os humaniza bastante. Todos são sujeitos das circunstâncias, ninguém está livre das consequências que uma ação provoca, e todos sofrem bastante com isso. É assim que o filme põe o espectador em xeque, em posição de desconforto, pois é muito difícil escolher lados (apesar da predisposição em se identificar com os protagonistas, o que o filme também consegue quebrar). Ou melhor, talvez não seja necessário separar porque estão todos no mesmo barco que afunda aos poucos, agentes e pacientes de suas próprias atitudes.
Ao filmar com câmera na mão, valorizando os planos mais fechados, Fahadi se aproxima dos conflitos dos personagens como um observador atento, em sintonia com um elenco formidável na naturalidade com que compõe cada personagem em suas fraquezas. O texto do filme ainda coloca em evidência questões da moral iraniana e religiosa (a cena em que a empregada telefona para uma central estatal para saber se ela pode trocar a roupa do homem doente de quem cuida é bem marcante nesse sentido).
Como representante de novos caminhos para o cinema iraniano (lembrar que venceu, dentre outras coisas, o Urso de Ouro no Festival de Berlim e ainda o Oscar de Filme Estrangeiro), A Separação é um conto moral que tem sua força na maneira como seus conflitos se sucedem numa onda de desacertos, expondo a fragilidade das pessoas ali envolvidas. Num mesmo encadeamento de ações dramáticas envolvendo aquele grupo de personagens, peças de uma mesma rede social, o filme consegue ser bruto e também tocante. Tudo sem concessões, assim como a própria sociedade que os abriga.
4 comentários:
Preciso ver esse filme.
O Falcão Maltês
Veja mesmo, Antonio. É sensacional. Tem de tudo para ser um dos melhores do ano, além de trazer uma boa renovação para o cinema iraniano.
Não tenho um amplo conhecimento do cinema iraniano como você aparenta ter - de fato, esse foi o primeiro filme do país a que assisti, mas foi uma experiência reveladora (de uma cultura e de um certo modo de fazer cinema) e de apertar o coração.
Gustavo, você precisa ver mais coisas de lá, então. Eles têm uma produção bastante rica e, como eu digo na crítica, muitos cineasta já têm buscado reiventar um certo estilo que ficou impregnado na filmografia do país.
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