O
Homem que Cuida (El Hombre que Cuida, República
Dominicana/Porto Rico/ Brasil, 2017)
Dir:
Alejandro Andújar
Ano
passado o mesmo Cine Ceará buscou revelar filmografias pouco conhecidas da
América Latina, mas errou na pontaria. Trouxe como novidade exótica o novelesco
Salsipuedes, representante do Panamá.
Neste ano, o alvo foi melhorado, e a República Dominicana esteve bem representada
com O Homem que Cuida, de Alejandro
Andújar. O filme pode mostrar um pouco a cara do cinema que é feito por lá – outro filme
dominicano já havia estreado no Brasil antes, o bom Dólares de Areia, com Geraldine Chaplin no elenco. Não é, portanto,
filmografia a se subestimar.
O
filme de Andújar tem clara proposta de discussão social e tensionamento de
classes contada a partir da história de Juan (Héctor Aníbal), um homem que
trabalha como caseiro na casa de praia de um rico figurão perto da ilha de
pescadores de Palmar de Ocoa. Juan é um funcionário de confiança dos patrões e
zela para que a enorme casa fique sempre limpa e bem cuidada, e também para que
ninguém de fora circule por ali, o que significa, por exemplo, enxotar os
funcionários das outras casas ou moradores locais, impedindo-os de ficarem bebendo no deck da propriedade. É um
empregado exemplar.
O
filme transcorre no período de poucos dias quando o filho do patrão, o jovem
Rich (Yasser Michelén) chega acompanhado de um casal de amigos festeiros, sendo
a moça uma moradora local que eles acabaram de conhecer pelo caminho. É nesse
ambiente que se desnudam mais claramente as relações de poder, ainda que Juan
seja tratado com certa intimidade, de certa forma também convidado para a festinha
particular que se desenrola durante aqueles dias. Ali emergem, com muita
naturalidade, as pequenas distinções entre os personagens e acentuam-se as contraposições:
patrão vs. empregado, pobres vs. ricos, brancos vs. negros. Tudo isso exposto
nas sutilezas de comportamento e ações dos personagens.
Juan
é o tipo taciturno e sério. Carrega a dor de ser apaixonado pela ex-mulher que
o abandonou e já está grávida de outro homem. Encara seu emprego como um
refúgio, ainda que viva de seguir ordens, tendo de fazer os caprichos do filho
mimado do patrão. É claro que as coisas começam a desandar, e Juan, como
sempre, terá que cuidar para que tudo permaneça como antes. Até ele mesmo.
Mais
do que a estranheza de Juan em relação ao amigo folgado de Rich e sobre a
dualidade entre acatar e domar as ordens do patrãozinho, mais forte é o embate
dele com María (Julietta Rodriguez), a moradora local que se torna namoradinha casual
do amigo. Ela é pobre, moradora da ilha, pele escura. Adentra o filme com pose
de dona do pedaço, mas não engana Juan que já a conhece da vila. O próprio
filme vai desfazer essa imagem e mostrar que ela é também usada por aqueles homens
que só querem diversão descompromissada. Aos olhos de Juan, ela está falseando
um lugar que não lhe pertence de fato, e ele não esconde o incômodo com a
postura e comportamento atrevido da moça, tal qual uma patricinha acomodada. A
partir desse embate, o filme tece bons comentários sobre as posições sociais que
ocupamos, como nos vemos neles e como enxergamos e julgamos os lugares que o outro ocupa ou é permitido ocupar.
O
filme dominicano, país com pouca tradição cinematográfica, demonstra maturidade
para tratar dessas questões, sem nunca soar panfletário, e Andújar é um diretor
competente para ditar ritmo e segurar um filme que se passa quase que
completamente em um mesmo ambiente. Há todo um cuidado de fotografia e direção
de arte que nos faz crer naquele ambiente ao mesmo tempo em que o isola, lugar onde muita coisa de errado pode acontecer.
Falou-se
nos debates acerca do filme que ele poderia muito bem se chamar “O Caseiro”, esforço
de uma tradução mais clara e objetiva para o português. Mas “O Homem que Cuida”
consegue expressar além do âmbito profissional, pois Juan não cuida só da casa.
Ele é convocado para resolver todos os problemas que surgem, precisa estar a
postos a tratar dos empecilhos, especialmente aqueles que Rich provoca,
mas não consegue dar conta depois. O Homem que
Cuida tensiona essas posições que não são necessariamente novas no cinema.
Mas produz um estudo muito rico de relações de poder, via espaço de trabalho, sustentado
por situações completamente verossímeis. O final é especialmente duro no sentido
de não abrir concessões e preferir ser fiel ao desenho moral que os personagens
apresentam durante o filme, demonstrativo da dificuldade de se romper as barreiras que nos cercam.
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