A Última Terra
(La Última Tierra, Paraguai/Holanda/Chile/Catar, 2016)
Dir: Pablo Lamar
Proposta das mais intensas calcadas na contemplação, A Última Terra nutre-se do esforço que
os personagens empreendem por um fio mínimo de história. Um casal de idosos vive
numa humilde casa no meio do nada, cercados de florestas e montanhas, a sós no
mundo. Ela está morrendo, e ele cuida para que seus últimos dias sejam acalentadores,
na medida do possível.
O diretor Pablo Lamar constrói uma narrativa de tempo
suspenso, quando o próprio tempo é personagem central ao acentuar sua passagem cândida,
mas avassaladora sobre os homens. O tema do tempo que a tudo consome já foi
muito explorado antes, e o filme apenas acentua sua força perante a impossibilidade
humana de alterá-lo e vencê-lo.
Em certo sentido não há nada de muito novo nesse tipo de
história, para além de acentuar o momento crucial da vida daquela senhora: a
saída do mundo dos vivos. É a rigidez da encenação que garante a A Última Terra a força de uma experiência
de introspecção e de certa transcendentalidade naquele último momento, acentuado
pela imponência da natureza soberana a cercar aqueles dois, também a lembrar
que morte é a ordem natural das coisas; e, talvez por isso, a situação seja
tomada de beleza também.
Trata-se mesmo de um filme irmão do conterrâneo Hamaca Paraguaia, tanto temática como
esteticamente. Por muito pouco, Lamar não mira na comiseração ao retratar a dor
da perda e o pesar pela falibilidade da vida, pela proximidade da ausência, traços
que lemos no rosto expressivo do ator Ramón del Rio. Há muita dignidade nesse
tipo de retrato, sem pieguismos baratos, apesar da percepção de que há toda uma
exasperação e sofrimento contidos ali naquele homem.
A brasileira Vera Valdez é quem interpreta a esposa inválida.
Atriz teatral que acompanha a explosiva trupe de José Celso Martinez Correia,
do Teatro Oficina, surge aqui em outra chave, totalmente mais contida, doando
todo seu corpo frágil a aguardar a morte. É a mesma serenidade que o filme pega
emprestado como um todo. Não há espaços para catarse, que só se expressa num
momento final envolvendo uma grande fogueira. É como se só a natureza pudesse
ser capaz de gritar a dor, sendo ela mesma quem acalma e acolhe aqueles que
partem e os que ficam.
A Comunidade (Kollektivet,
Dinamarca/Suécia/Holanda, 2016)
Dir: Thomas Vinterberg
Filme que encerrou os trabalhos no Olhar Cinema, A Comunidade é como que uma investida do
cineasta dinamarquês na percepção de uma possível convivência coletiva,
microcosmo de uma tendência política que vigorou em certas partes do mundo no
pós-Guerra e ameaçou o modo de vida capitalista.
Estamos na Dinamarca relativamente rebelde dos anos 1970
quando um casal se muda para uma nova casa, espaçosa e cara. Em pouco tempo
eles se vêm cercados de outras pessoas “alocadas” ali como forma de diminuir as
despesas, mas logo se vêm vivendo como em uma comunidade de amigos em que as
decisões são tomadas em conjunto; há assembleias e tudo se decide através do voto.
Se o diretor formata esse espaço de convívio incomum logo no
início do filme e rapidamente apresenta os personagens que formarão essa grande
família de tendências hippies, ainda que um tanto conservadoras, o próximo passo
é desviar a atenção para a crise conjugal que acomete o casal protagonista. Anna
(Trine Dyrholm) é uma jornalista que aceita bem esse novo estilo de vida,
enquanto seu marido Erik (Ulrich Thomsen) parece um tanto reticente quanto a isso.
Professor universitário, ele se envolve com uma aluna bem mais nova que ele.
O casamento abala-se; a filha do casal é quem mais sofre com
esse desentendimento, sendo a que observa tudo calada, temendo o fim da relação.
E a coisa se complica mais quando decidem trazer a moça para fazer parte
daquela comunidade, é esse o espírito de acolhimento. Com as cartas postas à mesa, a ideia de coletivo também é
sacudida porque os interesses se confrontam cada vez mais.
Seria o caso do filme complexificar as relações com a
entrada dessa nova personagem ali, e também colocar em xeque o próprio ideário
de convivência compartilhada intimamente por todos. Porém, através desse
movimento de centrar a atenção no drama conjugal, Vinterberg não só desperdiça
uma série de personagens interessantes que povoam aquele ambiente, como também
passa a investir no dramalhão mais gritado que envolvem as brigas e
desentendimentos do casal.
É realmente muito desanimador como o filme utiliza a
história de uma comunidade que prega o bem comum e propõe um tipo de convívio
igualitário e respeitoso a fim de reprocessar velhas proposições conservadoras
e mesmo machistas, afinal é a esposa – a mulher mais velha, portanto – quem
mais vai sofrer as consequências, mentais e emocionais, nessa história toda.
Não adianta que Vinterberg inclua lá no início do
filme uma cena em que todos eles vão tomar banho em um lago totalmente pelados,
filmados com muita liberdade. É o tipo de cena que grita “olha como somos
modernos e corajosos”, quase como uma desculpa pelo que virá depois. Não
parece, de fato, que A Comunidade queira
pregar e defender o socialismo e os modos de vida coletivos com afinco, mas se
utiliza de seus pressupostos para retroceder.
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