Entre Cercas
(Bein Gderot, Israel/França, 2016)
Dir: Avi Mograbi
O cinema do documentarista israelense Avi Mograbi é conhecido
pela forma como expõe cruamente o enfrentamento direto que dá o tom dos
conflitos políticos na região do Oriente Médio. Entre Cercas começa como esse tipo de filme: uma câmera invade
ou se confunde com a massa em meio a uma situação de discussão tumultuada. São
emigrantes africanos que buscam asilo político em Israel, mas são postos em um
campo no meio do Deserto de Neguev enquanto esperam resposta oficial.
No entanto, Mograbi propõe aqui outro tipo de encenação
documental cujo com foco recai sobre indivíduos e sua história pessoal diante
desse cenário de asilo político em busca de acolhimento em terra estrangeira.
Para isso, propõe a algumas dessas pessoas uma série de exercício teatrais
baseados no Teatro do Oprimido – cujos parâmetros foram criados pelo brasileiro
Augusto Boal.
Num galpão improvisado, o grupo de refugiados expõe seus
conflitos internos em conseqüência dos conflitos políticos através da liberação
da palavra, do corpo, mas principalmente pelo jogo de ter de encenar sua
própria vivência, os problemas e questionamentos que eles enfrentam naquele
momento tão delicado. Mais interessante ainda é quando eles precisam
interpretar o outro lado, numa espécie de autocrítica, apesar de estarem em
situação de vulnerabilidade.
É como um processo de terapia em grupo via teatro que nos
faz entender melhor de onde aquelas pessoas vieram e o que buscam, sem que o
filme precise lançar mão da forma mais tradicional de conhecer a história de luta que existe por trás de cada rosto. Essa também não deixa de ser um modo de enfrentamento consigo mesmo, com sua história e com os rumos da vida em meio
a situação chave, prisioneiro entre fronteiras.
O Vento Sabe que
Volto à Casa (El Viento Sabe que Vuelvo a Casa, Chile, 2016)
Dir: José Luis Torres Leiva
No início da década de 1980, na ilha de Meulin, um jovem
casal apaixonado fugiu para nunca mais serem encontrados. O relacionamento era desaprovado
pelas famílias por serem de origens diferentes, uma delas de sangue indígena. Um diretor
de cinema percorre as ilhas chilenas para saber mais da história e descobrir se
alguém conhece essa lenda a fim de realizar um filme sobre isso.
Mas logo daremos conta que não passa de pretexto. Um
bom pretexto para se chegar em outro lugar: conhecer gente e se inteirar de
suas próprias narrativas pessoais. O filme apresenta grande interesse no
material humano que encontra no caminho e por isso não deixa de pertencer à tradição
do road movie. O casal desaparecido
serve como mero ponto de partida que permite uma penetração nos rincões do
Chile, seu povo humilde.
Por isso que o diretor do filme, José Luis Torres Leiva,
convida um amigo, o também cineasta chileno Ignacio Agüero, para “interpretar”
esse homem que percorre a ilha em busca de histórias. Há algo de ficcional
nessa busca na medida em que Agüero tenta sustentar o interesse pelo lendário
casal, mas procura sempre extrair mais das pessoas que ele encontra pelo
caminho.
No entanto, apesar de trabalhar esse dispositivo engenhoso,
que nunca chama muita atenção para si, Torres Neiva nem sempre consegue gerar
tanto interesse por essas pessoas. São poucas as que realmente carregam uma força
maior – a senhora que esquece os nomes dos filhos é a melhor dessas
personagens. Agüero visita uma escola para “fazer casting” para seu filme, mas
as conversas que se dão ali não saem do básico – infelizmente ele não é
Coutinho.
A comparação pode não ser justa pela capacidade descomunal e experiência que o mestre brasileiro tinha para extrair ricos depoimentos de seus
entrevistados, e ele também não precisava de dispositivo algum para isso.
Torres Neiva tenta, mas o filme acaba girando ao redor das mesmas perguntas,
com as mesmas respostas e efeitos pouco marcantes.
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