Zud (Idem,
Polônia/Alemanha, 2016)
Dir: Marta Minorowicz
Há muito filmes nessa edição do Olhar de Cinema que preparam
bem todo um terreno, uma proposta de encenação, mas não conseguem deslanchar
com isso, apesar de não fazerem feio. Zud
é esse filme médio que se parece muito com outros já vistos por aí sobre
personagens em regiões inóspitas, mas dificilmente encontram vida própria para
além do movimento em torno das mesmas questões.
A diretora polonesa Marta Minorowicz vai buscar nas estepes
da Mongólia a história de Sukhbat, garoto de 11 anos que vive com o pai. A vida
é humilde, a sobrevivência é dura e eles cuidam de cavalos. O menino vai
participar de uma corrida regional e precisa aprender a domar o cavalo mais
bravio do lugar.
Estão lá, sem muita surpresa, elementos já muito associados
a esse tipo de história: a vida selvagem sendo domada ou assumida, a natureza
soberana que dita os movimentos dos homens, a câmera trêmula documental que
observa o cotidiano, a sensação de uma comunhão bem inscrita com aquela
paisagem e os personagens.
Se existe uma tentativa de fugir de um suposto olhar
exótico, Zud se sai bem, assim como evita
a comiseração diante de uma realidade crua, ainda que aos personagens é dado
muito mais afeto e dignidade do que problemas, conflitos e pesos que os
levariam a limites ou escolhas difíceis – e isso pode apontar para um olhar
diferencial da cineasta perante esse tipo de narrativa.
Em certo sentido a carga dramática vem da própria relação
com um mundo já posto e reprocessado diante deles, mesmo para o garoto, e no
qual ele encontra um espaço de crescimento e formação, sem que o filme seja
necessariamente uma história de coming of
age.
O Artista da Fome
(Danjiki Geinin, Japão/Coreia do Sul, 2016)
Dir: Masao Adashi
Ao contrário de Zud
e de vários filmes vistos aqui no festival, O
Artista da Fome é um dos poucos que investem numa energia e pulsão que explodem
na tela de forma a causar estranheza e pesar, tanto afasta quanto nos
ressignifica a história que desenha: um jovem homem resolve sentar na sarjeta e
fazer greve de fome, sem motivo aparente, sem intenções escusas.
As reações são as mais variadas, de adesão e repulsa, por
parte de quem passa por ali. A coisa ganha dimensões maiores quando um garoto
publica a foto do “ato subversivo” e viraliza na internet. É o passo para a
carnavalização da greve, o espetáculo midiático e o aflorar de sensibilidades.
O próprio filme parece ser afetar por isso, enlouquecendo no melhor dos
sentidos ao, de repente, mudar o tom da narrativa, indo da comédia escrachada e
surreal, às vezes com toques de pornografia, e até mesmo apontando para os
dramas existenciais de alguns personagens.
O filme tem clara inspiração na obra homônima de Kafka, mas
inserido em um contexto social distinto. De longe e sem conhecimento profundo
da cultura japonesa, certa bizarria que vemos no longa pode ser realocada aqui
como algo inerente à propensão ao exagero do povo nipônico – o que me faz
lembrar muito de um filme tão porra-louca como Glória ao Cineasta!, de Takeshi Kitano, que se permite tanta zoação.
Não à toa o filme abre com imagens da recente catástrofe
causada pelo acidente em Fukushima, e isso parece muito sintomático como
representação de uma sociedade caótica e adoecida, tão marcada pelos traços da
modernidade e da ultratecnologia. O protagonista, apesar de peça fundamental
ali, acaba sendo o estopim para que uma série de personagens circulem ao seu
redor, revelando os traços mais pitorescos e grotescos daquela gente; mais
curioso do que tentar entendê-lo é observar como as pessoas comportam-se diante
de tal situação. Apontando a predisposição para o bizarro, O Artista da Fome é um corpo estranho que não deixa de ser o retrato
da idiotia de um país.
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