As Artimanhas da Nuvem Cigana (Idem, Brasil, 2016)
Dir:
Paola Vieira e Claudio Lobato
O filme de abertura do É Tudo Verdade no Rio de Janeiro tem tudo a ver com a cidade, pois foi lá que floresceu, na década de 1970, um grupo de amigos artistas em torno de uma espécie de coletivo denominado Nuvem Cigana. As Incríveis Artimanhas da Nuvem Cigana, de Paola Ribeiro e Cláudio Lobato, tenta dar conta de uma época efervescente, mas tropeça na sua própria vontade de traduzir algo de muito difícil que é a experiência artística-existencial de um grupo que vivia e produzia de modo muito particular.
É
um documentário mais tradicional que explora a reunião do coletivo que, dentre
outras coisas, pregava o amor livre e a arte utópica. Havia poetas metidos a
jogadores de futebol, escritores, pintores e desenhistas metidos a músicos, ao
mesmo tempo hippies, antenados e alienados da vida política conturbada de um
Brasil em regime militar.
Uma
pena que o filme assuma postura um tanto careta ao retratar essa história, mais
valendo como registro do que como construção narrativa. Essa é prejudicada por
uma montagem que vai e volta nos temas e questões que envolvem a vida do grupo,
sem freio, atropelando e passando como que sem apuro por momentos e situações
realmente interessantes, mas que carecem de profundidade, de mais atenção.
Das
ricas imagens de arquivo e depoimentos nem sempre inspirados dos principais
integrantes do coletivo, vivos ainda hoje, o filme consegue extrair um painel
curioso não só de um período histórico especificamente localizado, mas de uma
maneira original e sincera de vivenciá-lo. Falta talvez o que abunda em Tudo Começou pelo Fim, do colombiano
Luis Ospina, visto aqui no É Tudo Verdade: mais apego, mais dedicação, mais vontade
de remexer e esmiuçar um baú de memórias e práticas que compõem o modo de
experienciar a vida dessa coletividade.
Anos Claros (Les Années
Claires, Bélgica, 2015)
Dir:
Frédéric Guillaume
A partir do filão de documentários em primeira pessoa, esses em que os próprios cineastas expõem partes e aspectos de sua vida particular, delícias e cicatrizes pessoais, Anos Claros consegue estar entre o autobiográfico e o narcisismo, mas com uma leveza tão graciosa e íntima que ganha o espectador pelo tom e carisma dos personagens.
O
cineasta belga Frédéric Guillaume resolveu expurgar seus demônios pessoais –
ou, num sentido mais amplo, seu próprio amadurecimento – num filme que se
aproxima de um diário intimista. O longa é todo construído a partir de imagens
caseiras que o diretor realizou ao longo de dez anos, a começar com a gravidez
de sua esposa da única filha do casal.
Depois
do nascimento, no entanto, a paixão e o lar feliz sofrem um abalo e Frédéric
vai se confrontar com curvas inesperadas no relacionamento com a esposa. Por se
tratar de algo tão pessoal, um tipo de história não necessariamente excepcional
– na verdade ela é muito comum –, sua força está na maneira como expõe com graça
e um tantinho de poesia visual um período de muitos anos e emoções conturbadas.
É possível encontrar
no filmes uma série de reflexões sobre a vida, a solidão, o amor e o fim do
amor, também sobre o amor incondicional e as possibilidades de continuar
gostando de alguém. Mas tudo isso aparece aqui sem o peso de uma discussão
formal, sem o palavreado pomposo do cinema francês. Tudo isso simplesmente
atravessa a trajetória de Frédéric e, mesmo na dor, o diretor traduz tudo muito bem a partir das imagens que dispõe.
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