quinta-feira, 14 de abril de 2016

É Tudo Verdade – Parte IV


As Artimanhas da Nuvem Cigana
(Idem, Brasil, 2016) 
Dir: Paola Vieira e Claudio Lobato


O filme de abertura do É Tudo Verdade no Rio de Janeiro tem tudo a ver com a cidade, pois foi lá que floresceu, na década de 1970, um grupo de amigos artistas em torno de uma espécie de coletivo denominado Nuvem Cigana. As Incríveis Artimanhas da Nuvem Cigana, de Paola Ribeiro e Cláudio Lobato, tenta dar conta de uma época efervescente, mas tropeça na sua própria vontade de traduzir algo de muito difícil que é a experiência artística-existencial de um grupo que vivia e produzia de modo muito particular.

É um documentário mais tradicional que explora a reunião do coletivo que, dentre outras coisas, pregava o amor livre e a arte utópica. Havia poetas metidos a jogadores de futebol, escritores, pintores e desenhistas metidos a músicos, ao mesmo tempo hippies, antenados e alienados da vida política conturbada de um Brasil em regime militar.

Uma pena que o filme assuma postura um tanto careta ao retratar essa história, mais valendo como registro do que como construção narrativa. Essa é prejudicada por uma montagem que vai e volta nos temas e questões que envolvem a vida do grupo, sem freio, atropelando e passando como que sem apuro por momentos e situações realmente interessantes, mas que carecem de profundidade, de mais atenção.

Das ricas imagens de arquivo e depoimentos nem sempre inspirados dos principais integrantes do coletivo, vivos ainda hoje, o filme consegue extrair um painel curioso não só de um período histórico especificamente localizado, mas de uma maneira original e sincera de vivenciá-lo. Falta talvez o que abunda em Tudo Começou pelo Fim, do colombiano Luis Ospina, visto aqui no É Tudo Verdade: mais apego, mais dedicação, mais vontade de remexer e esmiuçar um baú de memórias e práticas que compõem o modo de experienciar a vida dessa coletividade.


Anos Claros (Les Années Claires, Bélgica, 2015)
Dir: Frédéric Guillaume
 
A partir do filão de documentários em primeira pessoa, esses em que os próprios cineastas expõem partes e aspectos de sua vida particular, delícias e cicatrizes pessoais,
Anos Claros consegue estar entre o autobiográfico e o narcisismo, mas com uma leveza tão graciosa e íntima que ganha o espectador pelo tom e carisma dos personagens.

O cineasta belga Frédéric Guillaume resolveu expurgar seus demônios pessoais – ou, num sentido mais amplo, seu próprio amadurecimento – num filme que se aproxima de um diário intimista. O longa é todo construído a partir de imagens caseiras que o diretor realizou ao longo de dez anos, a começar com a gravidez de sua esposa da única filha do casal.

Depois do nascimento, no entanto, a paixão e o lar feliz sofrem um abalo e Frédéric vai se confrontar com curvas inesperadas no relacionamento com a esposa. Por se tratar de algo tão pessoal, um tipo de história não necessariamente excepcional – na verdade ela é muito comum –, sua força está na maneira como expõe com graça e um tantinho de poesia visual um período de muitos anos e emoções conturbadas. 

É possível encontrar no filmes uma série de reflexões sobre a vida, a solidão, o amor e o fim do amor, também sobre o amor incondicional e as possibilidades de continuar gostando de alguém. Mas tudo isso aparece aqui sem o peso de uma discussão formal, sem o palavreado pomposo do cinema francês. Tudo isso simplesmente atravessa a trajetória de Frédéric e, mesmo na dor, o diretor traduz tudo muito bem a partir das imagens que dispõe.

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