Fogo no Mar (Fuocoammare,
Itália/França, 2016)
Dir:
Gianfranco Rosi
Tema mais atual, relevante e explorado não há no cinema europeu de hoje do que esse que atravessa Fogo no Mar: os dramas dos refugiados políticos que buscam abrigo nos países da Europa. O filme do italiano Gianfranco Rosi abriu o É Tudo Verdade, em São Paulo, e venceu há poucos meses o Urso de Ouro no Festival de Berlim. É a primeira vez que um documentário conquista o prêmio máximo de um dos mais prestigiados festivais de cinema do mundo. E Rosi já havia feito o mesmo ao vencer, em 2013, o Festival de Veneza com outro documentário, Sacro GRA.
Fogo no Mar aporta na ilha
italiana de Lampedusa, na Sicília, que acabou se tornando um grande reduto para
os imigrantes africanos e do Oriente Médio que buscam chegar em solo europeu.
Na tentativa de atravessar o mar, muitas embarcações não conseguem completar a
viagem e precisam pedir pouso na ilha.
A
câmera de Rosi é observacional, não há entrevistas. No melhor estilo cinema
direto, o filme observa o dia a dia na ilha, talvez até menos o dos diversos
refugiados que não param de chega em barcos lotados e mais as famílias e
moradores locais que vêm o lugar se transformando em seu reduto populacional.
Há
uma escolha de Rosi em nunca espetacularizar os conflitos pessoais dos
imigrantes, nunca explorar as mazelas sofridas por eles em busca de explicações
ou respostas para esse impasse político. É uma opção que tira o peso dramático
da situação, sem deixar de dignificar aquelas pessoas – as cenas em que ouvimos,
pela radiopatrulha, os apelos dos imigrantes nos barcos em alto mar são muito
impactantes.
Mas
esse mesmo tipo de preferência narrativa acaba por minimizar as potências que o
filme tem em mãos, sendo a ilha um microcosmo muito rico da situação geral de
uma Europa contemporânea. O passeio que o diretor faz por entre a rotina de
algumas pessoas ali ganha pouca dimensão concreta na consonância com o tema do
filme. Há, por exemplo, um garoto, morador local, filmado durante as
brincadeiras e andanças pelos campos e praias; parece que ele ganha mais tempo
em tela do que os próprios refugiados, e ainda assim o filme não consegue
estabelecer uma relação tão clara com aquilo que parece mais pulsante naquela
localidade – o que nos faz pensar que Fogo no Mar não é um filme sobre
refugiados, mas sim sobre uma ilha cuja particularidade é receber,
involuntariamente, esses refugiados. Mas mesmo assim, o filme não parece dar
conta disso.
É
possível mesmo discutir até que ponto alguns filmes têm vencido grandes prêmios
em festivais por suas qualidades intrínsecas ou somente por estarem
tematicamente em consonância com os acontecimentos que mobilizam o público atualmente
– e premiar filmes assim não deixa de significar uma postura política assumida
diante do mundo de hoje. Antes deles, o fraquíssimo Dheepan: O Refúgio, de Jacques Audiard, venceu a Palma de Ouro em
Cannes, por exemplo.
De qualquer maneira,
para além das premiações, Fogo no Mar
parece ser fiel ao tipo de cinema a que Rosi está filiado no campo do
documentário, talvez sem exigir de si próprio um estudo formal daquela questão.
Ainda assim, se em alguns pronunciamentos Rosi disse ter ficado muito abalado com
o tempo vivido na ilha, essa dimensão nunca aparece a contento na tela, para
além da possibilidade de testemunhar como essas mudanças sociais tem se dado em
alguns lugares do globo.
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