A
Loucura Entre Nós (Idem,
Brasil, 2015)
Dentro do hospital psiquiátrico Juliano Moreira, em Salvador, a diretora Fernanda Vareille mira sua câmera nos pacientes que ali fazem tratamento. Eles vivem encarcerados por trás das grades e das perturbações psicológicas que sofrem, em níveis distintos para cada um.
A Loucura Entre
Nós
tem o cuidado sensível de observar e dar voz a quem muitas vezes negamos a
razão. Está longe de simplesmente pregar o traço de “lucidez” na loucura que todos
os pacientes trariam consigo. Felizmente o filme não ignora a existência de
casos mais graves de esquizofrenia e não deixa de pontuar que pode ser até
mesmo perigoso para a diretora andar desacompanhada por aqueles corredores.
Mas
ao partir nessa jornada, mais interessada numa apreensão do subjetivo, a cineasta observa com grande atenção também aqueles pacientes com discurso
aleatório e desconexo, pessoas que vivem um grau menor de lucidez. No entanto a
narrativa caminha no sentido de se afeiçoar a duas mulheres em condições diferentes
de doença mental e que acabam colocando em questão muito do que significa
estar naquela condição. Elizangela e Leonor tornam-se os faróis que guiam o
filme.
São
personagens que evoluem mesmo no decorrer da narrativa. A opção de não
entrevistar nenhum médico, especialista ou a administração do hospital reforça
esse caráter humanista e subjetivo, apreendido nas falas das personagens, e de
outros pacientes, que acabam jogando luz sobre vários aspectos de uma dura
rotina: as delicadas e doídas relações entre paciente e família, a solidão que
atravessa o cotidiano, o companheirismo e as rixas entre pacientes, a aceitação
de si e do outro.
Quando
uma das personagens canta a tristíssima Lágrimas
Negras, canção imortalizada na voz de Gal Costa, enquanto realiza um
trabalho manual qualquer, o filme abre-se para a dureza de uma vida cercada de
limitações, sejam elas autoimpostas, socialmente “aceitáveis” ou mediadas pela
condição patológica de quem convive por entre os limites da razão. A loucura
emerge não como característica que rotula, mas como um embate constante para
não se perder e para não se deixar perder de vista. Há quem nela sucumba e quem
na multidão se infiltra, querendo ser mais um entre tantos, dignos de levar a vida adiante.
A
Paixão de JL (Idem,
Brasil, 2014)
José
Leonilson é um artista que deixou guardadas várias gravações particulares em
fitas cassetes feitas entre 1990 e 1993. O diretor Carlos Nader, de posse desse
material, faz um filme belíssimo com esses depoimentos que revelam muito dos
anseios, sonhos e desejos de um homem que um dia irá se deparar com a triste
realidade de ser portador do vírus HIV.
Para
ilustrar a trajetória cronológica que vamos seguindo de sua vida, o filme apropria-se das minimalistas peças de arte que Leonilson criou. Usa especialmente bordados e gravuras, com inscrição de curtas frases e palavras soltas,
que parecem dar conta da condição emocional tão conturbada do artista.
É
nessa tessitura entre falas e imagens que o filme dá conta de acolher a subjetividade
daquele homem. Nunca veremos a imagem de Leonilson na tela, mas sua presentificação
é mais do que garantida por suas intervenções. Se os depoimentos gravados são
óbvios nesse sentido, é muito curioso perceber a maneira como o filme utiliza-se
das peças artísticas de Leonilson, tão delicadas e que ganham significados
outros em paralelo com os relatos de seu diário íntimo.
Nader
já havia apresentado na edição anterior do CachoeiraDoc o filme Homem Comum (ambos saíram vencedores também
do festival É Tudo Verdade). São obras que traçam, com delicadeza e respeito, o trajeto
de pessoas anônimas – ou pelo menos assim Leonilson o era para mim.
Mas A Paixão de JL, apesar de não trazer a
mesma quantidade de elementos cênicos do filme anterior – na verdade, a busca
aqui é justamente pelo aposto, por um minimalismo mais significativo –, apresenta
um personagem também muito rico. Na mesma medida, nos afeiçoamos a ele, à
sua busca emocional – ele revela com pesar sua condição de homossexual com dificuldades
de se assumir como tal – e também à luta contra uma doença que causou abalos
fortíssimos numa geração que viveu as últimas décadas do século passado. Assim,
o filme é retrato também de uma época circunscrita na História e nas marcas que
deixou em tanta gente.
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