quinta-feira, 11 de julho de 2013

Claire Denis: Calor do corpo, frieza da mente

Desejo e Obsessão (Trouble Every Day, França/Alemanha/Japão, 2001)
Dir: Claire Denis


Seria esse um filme atípico dentro da filmografia de Claire Denis por operar no âmbito da ficção científica, caso não existisse aqui uma insistência na ebulição do corpo, da inquietação que move os personagens a partir de seus desejos. Mas longe de se aplicar às normas e preceitos do cinema de gênero, Desejo e Obsessão começa apresentando seus mistérios e vai, aos poucos e sugestivamente, revelando-os ou nos dando pistas sóbrias para esclarecê-los, bem ao gosto singularda cineasta francesa.

A doença que acomete alguns personagens, como a esposa do médico Léo Sémenau (Alex Descas), vivida intensamente por Béatrice Dalle, dona das cenas mais intensas do filme, se estabelece na ânsia sexual que culmina no canibalismo do parceiro; ela come mesmo, devora a carne e se banha em sangue. É um filme, portanto, sobre o desejo carnal, literalmente posto, como uma praga canibal.

É também uma doença da mente, pois é aí que parece se infiltrar essa espécie de vírus causador da anomalia. Mas Denis não está preocupada nas causas biológicas e muito menos numa possível epidemia, mas sim na forma como isso move e inquieta os personagens. Paralelamente, Shane Brown (Vincent Gallo), em lua de mel com sua esposa June (Tricia Vessey) na França, procura o Dr. Léo por acreditar estar sofrendo do mesmo mal.

É aí que o filme vai convergindo e revelando uma interligação passada entre esses personagens, enquanto as marcas do desejo vão se deflagrando. Mas não só nos infectados porque essa mesma ânsia existe nas pessoas com que eles se encontram, como é o caso da camareira do hotel e dos garotos que espreitam a casa onde Coré, a esposa de Léo, vive trancafiada. É um desejo que faz parte da natureza humana e que Denis filma como uma busca por realização, mesmo que possa custar da vida do outro.

Essas colocações podem nos remeter ao cinema de David Cronenberg (muito embora as preocupações do cineasta canadense revelam-se um tanto diferentes, como a ideia de limite do corpo, tão presente em sua obra). Denis busca uma outra textura: a luta entre o desejo, o autocontrole e aquilo que o corpo precisa para saciar sua ânsia.


O Intruso (L’Intrus, França, 2004)
Dir: Claire Denis


Para quem achava que Bom Trabalho já era um filme muito sugestivo da Denis, talvez se espante com o nível de abstração que pulsa de O Intruso. Mas aqui esse fluxo narrativo talvez tenha uma dose maior de incômodo justamente por deixa o espectador por demais perdido na história desse senhor que busca um transplante para o coração que não lhe atende mais. Mas seria esse mesmo o fio de história que importa aqui?

Ele busca também contato com o filho que não vê há tempos e ainda precisa lidar com os intrusos que invadem sua casa à noite, uma residência de campo em algum lugar entre França e Suíça. Se o cinema de Denis se faz com uma série de idas e vindas no tempo, sem localização aparente, aqui esse movimento contínuo confere ao longa um tom frio e distanciado demais.

Às vezes cortes muito rápidos não nos dão tempo para digerir uma imagem que é logo substituída por outra que pode – ou não – estar em outro tempo narrativo. Isso quando elas não fazem parte do universo dos sonhos de Louis (Michel Subor), nosso herói que tenta se salvar. É assim que O Intruso se configura como um filme cerebral demais, gélido, distante. 

Evidencia-se aqui uma bela capacidade da diretora: falar através de silêncios e, principalmente, que seus atores expressem muito sem nada dizer. Era assim com Alex Descas em 35 Doses de Rum, Isabelle Huppert em Minha Terra, África e Denis Lavant em Bom Trabalho. Em O Intruso, Michel Subor tem um trabalho que lhe exige mais porque esses momentos de introspecção são ainda mais constantes, o que dificulta a apreensão daquilo que motiva e deseja esse personagem, e os outros também. No fundo, não estamos diante de uma história que queira ser compreendida como um todo, em pormenor. Mas essa recusa aqui mais afasta do gera curiosidade.

2 comentários:

Gustavo disse...

O Intruso foi meu primeiro contato com o cinema de Denis. Nem preciso dizer que não foi uma experiência fácil (o que não é necessariamente algo negativo).

Rafael Carvalho disse...

Poxa Gustavo, justo com O Intruso? Eu até que me arvoraria a rever o filme em outra ocasião, mas eu ainda gosto de outros trabalhos da diretora.