Doméstica (Idem, Brasil,
2012)
Dir:
Gabriel Mascaro
Como documentário que observa a rotina de algumas empregadas domésticas em cidades diferentes do Brasil, Doméstica é também um estudo das relações de servidão que fazem parte da história social brasileira. Curiosamente, essas relações também se aproximam de um caráter afetivo, pois estamos no âmbito do lar, do ambiente caseiro que aproxima a família.
É
por isso um filme que esconde nas suas imagens supostamente sem interferência uma
construção de olhar muito mais complexa do que podemos imaginar de primeiro
relance. E para não invadir abruptamente esse ambiente de intimidade, como um intruso,
o diretor Gabriel Mascaro prefere deixar a câmera nos lares das empregadas
documentadas, mais especificamente nas mãos dos filhos, dos patrõezinhos (que geralmente
cresceram e foram criados pelas domésticas).
É,
portanto, um interessante estudo em segunda pessoa, uma vez que nem as domésticas
ditam as regras, apesar de figuras centrais do filme, nem o diretor se assume como o
interlocutor maior. Elas continuam subordinadas aos patrões, aos
donos da casa, sendo filmados e contando sobre suas vidas talvez como mais uma tarefa que lhes é atribuída, e essa talvez seja a grande sacada e força do filme. Há todo um olhar
sociológico aí.
Quando
o diretor coloca a câmera na mão dos patrõezinhos, o que já destoa do documentário
de depoimentos, ele revela justamente essa faceta da empregada que quer e é
levada a se sentir à vontade na casa em que trabalha, como alguém parte da vida
caseira, ao mesmo em que precisa lidar com aquilo justamente como um trabalho,
um emprego, a que ela está vinculada e do qual depende para sobreviver.
É
nessa linha escorregadia entre dever e afeto justamente onde o filme consegue
captar uma série de nuances que se estabelecem nesse tipo de relação. Doméstica sabe ser carinhoso com os
personagens (tanto quanto os personagens já são consigo mesmos), mas também não deixa de revelar as dores e problemas pessoais que acompanham
as empregadas. Todos ali possuem uma história forte que revela a dureza de suas
vidas, uma vida que não cabe no filme porque está fora da casa de trabalho – fora
do quadro, portanto.
É
aí que o trabalho de montagem mostra sua força, não só na reunião dos melhores
perfis dentre aqueles pesquisados pela produção do filme (e sem embaralhá-los, já que cada segmento começa e se conclui sem interferências de outros), mas
também na maneira como equilibra os momentos mais radiantes com as tristezas
que irrompem para a câmera quando menos esperamos.
Um
filme cru naquilo que expõe, sorrateiramente, mas também num sentido estético
porque a produção, bem simples, feito com câmeras digitais portáteis,
representa muito bem esse registro do que é doméstico, de casa, intimista, como
lembrança realista de uma família em convivência; a família
brasileira que aprendeu a acolher a quem lhe serve. É fabuloso como um filme
desses é capaz de dizer tanto sobre nossa sociedade, presente e passada.
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