35 Doses de Rum (35 Rhums,
França/Alemanha, 2008)
Dir:
Claire Denis
Talvez
seja esse o filme mais doce da cineasta francesa Claire Denis, apesar de nunca
ser condescendente com seus personagens. Um trabalho curioso dentro de uma
filmografia que aperta feridas ou encontra seus personagens em situações de inquietação
e turbulência. Mas aqui ela tece uma narrativa super afável, carinhosíssima com
seus personagens, algo que a trilha sonora já informa quando abre o filme, numa
cena que acompanha os trilhos de um trem em movimento.
Esses
trilhos bifurcam-se e podem ser uma metáfora simples para as possibilidades de
caminhos tortuosos que se apresentam aos personagens que conheceremos a seguir,
mas não deixa de ser uma correlação possível. Quem pilota a máquina é Lionel (Alex
Descas), que vive com a filha Joséphine (Mati Diop) e possui forte amizade com
Gabrielle (Nicole Dogué), amiga de longa data e vizinha.
Vivem
ao sabor da vida de imigrantes numa França por vezes hostil nas possibilidades
que lhes oferecem. Denis é muito cuidadosa na forma como apresenta os dilemas e
conflitos internos desse grupo e em como deixa lacunas que nem sempre são tão
evidentes (por que Lionel recusa o amor de Gabrielle? Qual é a verdadeira
relação entre Joséphine e o jovem Noé que mora no mesmo prédio?). O filme está
menos preocupado com os desdobramentos dos acontecimentos e mais em como eles
agem no sentimento dos personagens, essa é uma de suas forças.
Em
meio a tudo isso, a diretora consegue ainda injetar discussões políticas, partindo
da relação Norte-colonizador, Sul-colonizado, e também filmar a sensualidade
dos corpos (toda a sequência no bar depois do defeito no carro é exemplar nesse
sentido, onde os olhares dançam e não escondem os desejos). Mas sobra muita melancolia
nesse filme de vidas que seguem por entre trilhos sinuosos.
Bom Trabalho (Beau Travail,
França, 1999)
Dir:
Claire Denis
Nem
tudo é claro no cinema da Claire Denis. Existe uma dose de sugestividade que
sempre impregna seus filmes, que fica evidente nos rumos e desejos não muito
claros que seus personagens apresentam no decorrer da narrativa. Mas talvez o
maior problema desse filme seja abusar demais desse tom sugestivo, mais
afastando o espectador do que buscando interessá-lo.
O
filme transita entre o passado e o presente do sargento Galoup (Denis Lavant)
que liderava uma tropa da Legião Estrangeira Francesa no leste africano e agora
vive recluso, contando, em flashbacks, os fatos que o levaram ao afastamento do grupo. Os ciúmes e
desejos pelo oficial Sentain (Grégoire Colin), embora esses sentimentos nunca se
revelem tão evidentes, são o ponto de inquietação do sargento, fonte da
insegurança e vacilação que por vezes toma o rosto de Lavant tão marcadamente.
Existe
um trabalho de corpos que Denis adora registrar (aliás, o corpo é um de seus
temas preferidos) e filma muito bem. Corpos em movimento, seja fazendo as
atividades diárias (como lavar e passar roupa), seja no treinamento militar,
quando esses corpos chegam a se colidir, chocar-se. Galoup vive na ânsia iminente
de uma aproximação maior, possivelmente amorosa/sexual, por Sentain.
Ainda assim, muito do filme fica anuviado, sobram personagens
sem destino ou função aparente (como a jovem prostituta que, em determinado
momento, se diz namorada de Galoup – embora ela seja sempre muito bem
fotografada pela câmera do filme), num jogo que esconde mais do que mostra ou
pelo menos gera a curiosidade de descobrir, conhecer. De qualquer forma, a cena
final é uma incrível simbologia de um corpo que se move, a esmo e sem rumo, sem
par, na ânsia de se chocar com outro.
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