segunda-feira, 8 de julho de 2013

Claire Denis: Ternura e inquietação

35 Doses de Rum (35 Rhums, França/Alemanha, 2008)
Dir: Claire Denis


Talvez seja esse o filme mais doce da cineasta francesa Claire Denis, apesar de nunca ser condescendente com seus personagens. Um trabalho curioso dentro de uma filmografia que aperta feridas ou encontra seus personagens em situações de inquietação e turbulência. Mas aqui ela tece uma narrativa super afável, carinhosíssima com seus personagens, algo que a trilha sonora já informa quando abre o filme, numa cena que acompanha os trilhos de um trem em movimento.

Esses trilhos bifurcam-se e podem ser uma metáfora simples para as possibilidades de caminhos tortuosos que se apresentam aos personagens que conheceremos a seguir, mas não deixa de ser uma correlação possível. Quem pilota a máquina é Lionel (Alex Descas), que vive com a filha Joséphine (Mati Diop) e possui forte amizade com Gabrielle (Nicole Dogué), amiga de longa data e vizinha.

Vivem ao sabor da vida de imigrantes numa França por vezes hostil nas possibilidades que lhes oferecem. Denis é muito cuidadosa na forma como apresenta os dilemas e conflitos internos desse grupo e em como deixa lacunas que nem sempre são tão evidentes (por que Lionel recusa o amor de Gabrielle? Qual é a verdadeira relação entre Joséphine e o jovem Noé que mora no mesmo prédio?). O filme está menos preocupado com os desdobramentos dos acontecimentos e mais em como eles agem no sentimento dos personagens, essa é uma de suas forças.

Em meio a tudo isso, a diretora consegue ainda injetar discussões políticas, partindo da relação Norte-colonizador, Sul-colonizado, e também filmar a sensualidade dos corpos (toda a sequência no bar depois do defeito no carro é exemplar nesse sentido, onde os olhares dançam e não escondem os desejos). Mas sobra muita melancolia nesse filme de vidas que seguem por entre trilhos sinuosos.


Bom Trabalho (Beau Travail, França, 1999)
Dir: Claire Denis


Nem tudo é claro no cinema da Claire Denis. Existe uma dose de sugestividade que sempre impregna seus filmes, que fica evidente nos rumos e desejos não muito claros que seus personagens apresentam no decorrer da narrativa. Mas talvez o maior problema desse filme seja abusar demais desse tom sugestivo,  mais afastando o espectador do que buscando interessá-lo.

O filme transita entre o passado e o presente do sargento Galoup (Denis Lavant) que liderava uma tropa da Legião Estrangeira Francesa no leste africano e agora vive recluso, contando, em flashbacks, os fatos que o levaram ao afastamento do grupo. Os ciúmes e desejos pelo oficial Sentain (Grégoire Colin), embora esses sentimentos nunca se revelem tão evidentes, são o ponto de inquietação do sargento, fonte da insegurança e vacilação que por vezes toma o rosto de Lavant tão marcadamente.

Existe um trabalho de corpos que Denis adora registrar (aliás, o corpo é um de seus temas preferidos) e filma muito bem. Corpos em movimento, seja fazendo as atividades diárias (como lavar e passar roupa), seja no treinamento militar, quando esses corpos chegam a se colidir, chocar-se. Galoup vive na ânsia iminente de uma aproximação maior, possivelmente amorosa/sexual, por Sentain. 

Ainda assim, muito do filme fica anuviado, sobram personagens sem destino ou função aparente (como a jovem prostituta que, em determinado momento, se diz namorada de Galoup – embora ela seja sempre muito bem fotografada pela câmera do filme), num jogo que esconde mais do que mostra ou pelo menos gera a curiosidade de descobrir, conhecer. De qualquer forma, a cena final é uma incrível simbologia de um corpo que se move, a esmo e sem rumo, sem par, na ânsia de se chocar com outro.

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