domingo, 6 de maio de 2012

Autoterapia


Um Método Perigoso (A Dangerous Method, Reino Unido/Canadá/Alemanha /Suiça, 2011)
Dir: David Cronenberg



Por mais que esse filme pareça um corpo estranho na obra bastante coesa de David Cronenberg (não há escatologia, vísceras, cabeças explodindo, nem violência gráfica), faz bastante sentido dentro do projeto de cinema do diretor canadense. Para quem construiu uma filmografia, dentre outras coisas, que provoca no espectador a vontade em ver o grotesco, é bastante interessante tentar entender de onde vem essa fascinação.

Assim, os embates intelectuais dos inicialmente amigos Freud e Jung em torno da construção e florescimento da psicanálise surgem como uma luz possível para explicar essa adoração pelo estranho. Mas principalmente, como a violência pode causar interesse e, mais forte ainda, satisfação nas pessoas. Pois é justamente esse o caso de Sabina Spielrein (vivida por uma afetada Keira Knightley), paciente que chega a Jung sofrendo de histeria. Os conflitos de neurose da moça têm origem na estranha excitação que ela sentia quando o pai lhe espancava quando criança.

Num sentido mais subjetivo e interpretativo, funcionando quase como um subtexto no filme, esse seria justamente o paralelo com a própria obra do diretor (fascinação pela violência). Assim, uma visão possível do filme é de que ele funciona quase como um exercício de autoterapia do cineasta, presente para seus expectadores e fãs. Mas de uma forma mais geral e perceptivelmente objetiva, Um Método Perigoso marca o encontro desses dois grandes pensadores do inconsciente e os embates ideológicos que mantiveram.

Nesse sentido, o filme é bastante clássico ao apresentar esses personagens e seus conflitos científicos, sendo o que realmente importa aqui. O grande problema do filme é que, por mais que nada pareça estar fora de lugar, não parece haver grandes motivações a se acompanhar. De certa forma, isso é prejudicado por um roteiro que possui alguns saltos no tempo, interrompendo determinados conflitos que estavam sendo fechados para se deter em outros, muito próximos entre si, mas ainda assim fica a sensação de brusquidão e irregularidade.

E se a composição da personagem de Keira Knightley parece inicialmente exagerada demais, caindo em um overacting que beira o ridículo, a coisa pode ser vista pelo prisma justamente da subversão. Seria uma maneira de Cronenberg, nesse filme mais “comportado”, dar vazão às pulsões psicológicas que modificam e violentam o corpo, marca autoral dos trabalhos do diretor canadense. Mesmo assim, não parece funcionar como representação de alterações do físico, além de estarem muito além das atrocidades que já vimos em seus filmes (mesmos nos mais classe A, dos últimos anos, como Marcas da Violência e Senhores do Crime).

Por outro lado, as composições classudas de Viggo Mortensen e Michael Fassbender, respectivamente Freud e Jung, criam figuras dotadas de autoridade, bem contidos na representação dos homens sérios que eram. Da mesma forma, a direção de Cronenberg ganha um estranho ar de classicismo, seriedade e, consequentemente, de limpeza. Não que isso se torne um demérito porque toda a construção narrativa é bastante coerente e sólida, como o filme pede. Só não contém riscos.

Assim, em Um Método Perigoso, tudo parece estar posto com muita facilidade. Existe respeito para com os acontecimentos históricos e os personagens, os fatos são claros, as discussões estão ali apresentadas, seus desdobramentos são claros. Mas soa tudo muito sem personalidade, frio. No fim das contas, é um filme sem tesão. Justo esse, Cronenberg?

4 comentários:

Anônimo disse...

Cronenberg talvez precisou através do filme se encontrar, por mais que negue publicamente. Acho que esse filme não difere muito do Jornada da Alma. Cynthia

ANTONIO NAHUD disse...

Sou suspeito, gosto de TODOS os filmes de Cronenberg.

O Falcão Maltês

Matheus Pannebecker disse...

Atuação horrorosa da Keira Knightley. E o filme em si é genérico demais... Cronenberg, dessa vez, me decepcionou bastante.

Rafael Carvalho disse...

Cynthia, não sei se ele realmente precisava (por questões de saúde mental, rsrs), mas a questão é que faz bastante sentido dentro da filmografia dele essa tentativa de compreensão. Quando digo "autoterapia" é mais para situar o filme dentro da carreira mesmo. Já esse italiano Jornada da Alma eu não vi.

Então Antonio, esse filme é bastante diferente dos demais do Cronenberg. Com certeza vai estranhar, mas muita gente tem gostado.

É Matheus, o conceito de atuação que deram à Knightley não é dos mais acertados mesmo. No fim, é difícil imaginar que aquela mulher problemática tenha se tornado uma grande psicanalista, por mais que isso seja totalmente real. Acho que falta mais personalidade ao filme, o que o deixa assim genérico mesmo.