Construindo
Pontes
(Idem, Brasil, 2017)
Dir:
Heloisa Passos
Construindo Pontes é mais um filme do Festival de Brasília feito a partir do encontro de um outro estranho, avesso ou distante de si mesmo – o anterior foi Música para Quando as Luzes se Apagam, e ainda viria pela frente Por Trás da Linha de Escudos. Curiosamente, todos esses filmes parecem fracassar na tentativa de acessar o outro, uns pela timidez da operação narrativa (caso de Música...) os outros dois por fraquejarem quando mais se precisava de incisão e jogo de cintura de seus realizadores-personagens para lidarem com as barreiras que se erguem para eles na proposta de encontro-confronto a que eles mesmos se sujeitam.
O
filme de Heloísa opera a partir do encontro de lados antagônicos – nesse caso dela
mesma com o próprio pai, homem de idade que nos tempos áureos trabalhou como
engenheiro para o governo militar. O filme documenta o dia a dia de convívio entre
eles e logo alcança os embates ideológicos que surgem naturalmente: ela possui
posições esquerdistas e liberais enquanto ele nutre princípios conservadores;
ele defende que os militares possuíam um projeto político de país e ela rebate
sobre os presos, mortos e as perseguições da Ditadura; não há lugar para meios
termos. É claro que o cenário desse fogo cruzado familiar é o Brasil cindido em
dois dos dias atuais, o país dos “coxinhas” versus “petralhas”, das polarizações
simplistas que o filme contribui para reforçar e que ganhou força no seio de
muitas famílias.
Construindo
Pontes,
no entanto, parte de um princípio de “solidariedade” na medida em que o filme
claramente busca atrair, em sua maioria, um público que vá se identificar com a
realizadora e suas posições e opiniões. Talvez por isso ela não se esforce para
encontrar uma forma cinematográfica para esse embate e acredita que basta
filmar discussões intermináveis e improdutivas sobre assuntos políticos que, de
pronto, colocam divergências entre eles e que fazem o pai disparar frases “polêmicas”
na tentativa de defender o governo militar. Nesse sentido, a diretora parece
pressupor uma vitória dela de antemão, uma simpatia já ganha do público em
relação à sua posição naquele jogo, ainda mais por conta dos “impropérios”
proferidos pelo pai.
Por
outro lado, a estratégia parece cair por terra porque é evidente como é
fácil para o pai tirar a filha do sério. Parece que ela perde todas as discussões
na medida em que fica constantemente irritada com as opiniões dele, enquanto o homem demonstra calma e autocontrole o tempo todo – e certamente esse é um forte fator de
irritabilidade para a filha. O que seria um filme de embates e
discussões duras torna-se uma briga familiar rasa e desinteressante em
que ninguém ali está a fim de ceder e ouvir o outro.
Nesse
sentido, não dá para não lembrar do ótimo Os
Dias com Ele, documentário de Maria Clara Escobar, que opera na mesma chave
de oposições entre o pai e a filha diretora, tão mais potente na maneira como fricciona
uma relação complicada e cheia de nuances, inclusive na dimensão da imagem, daquilo
que está no campo e no extracampo fílmico. O longa de Heloísa está longe de alcançar
tal sutileza e oferecer camadas outras que possam dar conta da dificuldade que
é acessar o outro, o contrário, sendo ele uma figura tão próxima de si.
Sem
conseguir estabelecer um diálogo de contraposição que nãos seja a partir da ira
e da destemperança, Construindo Pontes
refugia-se no afeto – afinal não se pode esquecer que aquele é seu pai – para
terminar o filme de modo aparentemente apaziguador. Não quero aqui negar a
possibilidade de afeição que possa existir ali, mas parece mais um gesto
derrotista do filme diante de sua incapacidade de ação. Há, claro, uma cisão
que se mantém entre os dois até o final (a divergência na escolha da paisagem para
terminar o filme, o modo de filmar e andar pelos trilhos do trem), mas também essas
cenas não escapam da tentativa de abrandar o que era embate entre eles, o que
pode até mesmo negar tudo o que vimos antes. Essa ideia de fracasso em relação a um
propósito vislumbrado, mas nunca alcançado, pode ser pensada a partir de uma
significação do título que não se cumpre no filme: a diretora até tenta erigir
essa ponte em direção ao pai, mas o alicerce não resiste à primeira passagem.
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