Dir:
Maria Augusta Ramos
Se
os movimentos de reivindicação e mobilização políticas, em grande parte encabeçada
por jovens, ganharam as ruas de todo o Brasil nos últimos anos, marcando
profundamente a sociedade brasileira mais engajada, no cinema esse mesmo
movimento rendeu poucos registros realmente potentes como cinema (muito embora,
enquanto imagem documental muitos deles são fortíssimos).
À
primeira vista, Futuro Junho poderia
ser esse filme, diante de tantas tentativas que ficaram somente na superfície.
Mas no fundo extrapola essa espécie de classificação e acaba sendo o retrato de
indivíduos díspares envoltos numa questão que engloba tudo isso: a vida
financeira no Brasil.
Tem
a mão segura e competente da documentarista Maria Augusta Ramos, cineasta
brasileira que enveredou muito bem pelos caminhos do cinema documental direto
em sua já consistente obra. Seu estilo está marcado pelo rigor formal e pela
característica de encenação que existe na reprodução do real ali captado por
sua câmera aparentemente invisível.
Com
Futuro Junho, a diretora parte desse
momento recente de efervescência mobilizadora da vida política para construir
um filme mosaico com gente palpável, de carne e osso, multifacetada. Ela
observa a rotina, familiar e
profissional, de quatro personagens distintos em São Paulo: um economista, um
operário de fábrica automobilística, um líder sindical e um motoboy, muito
embora eles revelem mais de si mesmos do que essas simples denominações de cada
um.
É uma maneira inteligente de lidar com um tipo de
temática espinhosa que rende discussões acaloradas, muito reveladora da
situação social, econômica e política do Brasil nesse momento conturbado. Alcança
ainda um lado muito humano e afetuoso da situação, nas particularidades e
contradições de cada um.
Mesmo sem ir fundo nas muitas questões que se deixam
entrever ali, embora as muitas leituras possíveis de se fazer do rico material
estão completamente abertas, Futuro Junho
é o que se espera desse tipo de proposta. Aponta ainda para um olhar apurado e
menos apressado sobre os imperativos econômicos em nossa vida prática.
Através
da Sombra
(Idem, Brasil, 2015)
Mesmo
que muitos realizadores brasileiros contemporâneos sejam confessos admiradores
do cinema de horror mais clássico, é curioso perceber que o horror o filme
nacional tenha ganhado força a partir de construções mais conceituais (caso de Trabalhar Cansa e Quando Eu Era Vivo, para citar alguns). Mais recentemente algumas
propostas mais convencionais têm surgido numa espécie de filão aberto (como O Amuleto e Isolados).
Por
isso é tão curioso perceber como a proposta de Através da Sombra esteja em emular um tipo de narrativa de horror
bastante clássica e mesmo elegante, fazendo mesmo questão de utilizar elementos
tão comuns ao gênero (a casa mal assombrada, crianças como presenças que
guardam segredos, limite entre a percepção da realidade versus a loucura, vultos
e visões várias). Interessante também é pensar na figura de uma cineasta veterano
como Walter Lima Jr. à frente desse tipo de filme.
Apesar
de lidar com esses clichês, o filme assume um lugar de apropriação muito
consciente dos cânones do filme de horror com muita classe. O casarão sombrio é
parte de uma grande fazenda cafeeira, ainda na época escravocrata; o forte cheiro
de café queimado empesteia o lugar e prenuncia maus agouros. É para lá que vai a
professora Laura (Virgínia Cavendish), contratada para cuidar da educação de
duas crianças, além de assumir a governança da propriedade.
Se
o filme consegue ser feliz ao formatar uma atmosfera que culmina no horror
psicológico, além de contar com um design de produção caprichadíssimo, o
roteiro se abre a uma série de possibilidades que desencaminham a trama. Deixa
escapar tantas arestas e questões que vão surgindo no caminho – e na mente – de
Laura que parece mesmo um tanto perdido sobre onde quer chegar com seus muitos
desdobramentos e reviravoltas.
É
claro que a morte permeia o ambiente, assim como a figura recatada e enlutada
de Laura é confrontada com certas pulsões sexuais retraídas. Mas o roteiro
inchado acaba por levar o filme para caminhos pouco focados. Poderia ser uma
maneira de abandonar o classicismo da coisa toda, mas resulta na perda de
intensidade dramática da trama, e sobram meros sustos e aparições fantasmáticas
nas janelas.
O
Diabo Mora Aqui
(Idem, Brasil, 2016)
Dir:
Dante Vescio e Rodrigo Gasparini
Delirante
filme de terror nacional, O Diabo Mora
Aqui é um achado dentro da produção recente que mira no horror como ponto
de interesse resgatado nos últimos tempos (e a
Mostra de Tiradentes se revela atenta ao gênero depois de ter exibido ano
passado As Fábulas Negras, e ter
iniciado sua edição de 2014 com Quando Eu
Era Vivo).
O
filme da dupla paulista aposta no terror macabro, com direito a grupo de
adolescentes que viajam para uma casa no meio da floresta, além de toda a
atmosfera de filme B trash. No
entanto, seu maior trunfo é contar com um enredo bastante original que dialoga
muito com certo passado brasileiro, mas surpreende por nunca se mostrar previsível
e pelos estranhos detalhes que compõem seu universo mítico.
A
grosso modo, há uma espécie de uma antiga lenda que dá conta da história do
Barão do Mel, antigo senhor de escravos que tinha prazer em maltratar os negros
que lhe serviam. Ele acaba sendo “derrotado” por conta de uma maldição antiga
que envolve um bebê sacrificado e uma entidade macabra senhoril escondida nas
entranhas da terra. A possibilidade de libertação desses seres é para onde convergem
os episódios de pavor que veremos no longa, praticamente se passando no
decorrer de uma noite.
O
filme parece mesmo interessado em contar essa história, nos fazendo entender suas
peças, enquanto os personagens vão se encontrando. E através dela, o filme dá vazão
aos elementos do terror e não o contrário ao fazer do enredo mero subterfúgio
para sustos e sangue jorrado.
Em
determinados momentos certos detalhes e reviravoltas do roteiro podem até ser
postos em questão, mas existe outra potência que sustenta o filme, para além do
prazer pelo gore, sujeira e pelo macabro: consegue crescer em delírio e surto
na medida em que nos rendemos aos terríveis desdobramentos que se desenrolam
naquela casa, no embate de personagens tão bizarros e mesmo palpáveis em suas
convicções e objetivos.
O
tom alucinado é fortalecido por um desenho de som que acrescenta camadas de horror
e estranheza à trama na medida em que acompanha o fluxo insano de piração intensa
que vai surgir da metade em diante (algo bastante visível no conjunto de
atuações de todo o elenco, partindo do natural para o histriônico com ganho
total de efeito dramático). O Diabo Mora
Aqui é desses que dá gosto de ver surgir no panorama cinematográfico nacional.
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