quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Panorama Coisa de Cinema – parte IV


Mate-me Por Favor (Idem, Brasil/Argentina, 2015)
Dir: Anita Rocha da Silveira


Dos retratos de juventude muito comuns nas narrativas do cinema, em especial no filme de formação, de rito de passagem, Mate-me Por Favor vem a se somar não só como uma representação muito particular de certa juventude, mas que também não se limita a reproduzir lugares-comuns desse tipo de gênero, o filme teen. Anita Rocha da Silveira mira em outro tipo de abordagem que faz pulsar essa juventude, ao mesmo tempo em que a faz encontrar uma morbidez incomum nessa idade.

Essa representação juvenil chega com uma carga muito feminina, mesmo porque a própria cineasta já revelou o quanto o filme guarda muitos de seus anseios de uma época de experiências e descobertas, certamente sem querer aprisionar suas personagens em reproduções já gastas – e mesmo em seus curtas anteriores, como Os Mortos-Vivos e Handebol, já é possível reconhecer essas escolhas. Curioso notar também como os adultos são figuras invisíveis para esses jovens.

Bia (Valentina Herszage) e suas melhores amigas vivem a ebulição da adolescência, e a câmera de Anita sabe muito bem inscrever seus corpos nessa narrativa de desejos pulsantes. Mas a esse universo das turbulências hormonais é acrescido um fator inusual: a pulsão da morte. Há uma morbidez que invade a vida de Bia a partir do momento em que garotas de programas começam a aparecer assassinadas, vítimas de um desconhecido serial killer. Bia se vê atraída por esse universo fúnebre, uma espécie de encantamento pelas coisas da morte, como um ímã que ela não consegue controlar, levando o filme para um lugar território muito curioso de observação e construção narrativa.

Tudo isso tem lugar na Barra da Tijuca, bairro de classe alta do Rio de Janeiro, retratado de forma não necessariamente caricata, apesar da propensão do filme em exceder o tom muitas vezes. Mas não na maneira de enquadrar esse espaço urbano, antes como forma do filme alcançar outro lugar de fabulação de sua própria história, inclusive inscrito em certos personagens, como é o caso da pastora teen, uma barbie-patricinha frou-frou que embala cânticos de louvação a Jesus com batida pop na igreja local.

Há um jogo de plasticidade visual muito forte no filme que acompanha essa escolhas narrativas. Está presente nos coloridos dos cenários e também nas cenas em que o exagero prevalece e a atenção se volta para detalhes curiosos: Bia vomitando sangue diante do espelho do banheiro, a coreografia do passinho, as pregações da pastora.

Mate-me Por Favor resvala no gênero de horror, no subgênero do filme de serial killer, é também um filme teen de coming of age, mas não parece caber nessas caixinhas classificatórias. A obsessão de sua protagonista por um universo novo, seja o das sensações e descobertas amorosas/sexuais, seja o da morte, é o que move a história, sendo menos um filme de causas e consequências óbvias e muito mais atmosférico. Daí que esse tom de excessos pinta o filme de cores muito vivas e particulares. 

Não é tarefa fácil criar esse tipo de ambientação, ainda mais quando não está calcado em um tipo assimilável de narrativa, ou antes faz um cruzamento criativo entre eles. Anita Rocha da Silveira sai-se muito bem nesse que é seu primeiro longa-metragem, muito segura do tipo de construção de sensações que quer promover. Ainda assim, sobram alguns excessos e momentos que parecem deslocados e que não fazem muita diferença no filme – a boate que pega fogo, a disputa gritada entre os estudantes na cantina da escola. Mas a força de sua encenação bate forte, o suficiente para colocar Mate-me Por Favor num lugar de evidência na produção nacional recente.

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