Cavalo Dinheiro (Idem, Portugal, 2014)
Dir:
Pedro Costa
Um dos filmes mais aguardados do Cine Ceará, Cavalo Dinheiro traz a rigidez plástica e narrativa habitual do cinema de Pedro Costa, uma espécie de obra a se desvendar – e que faz muito sentido se vista em conjunta com seus outros filmes, especialmente Juventude em Marcha. Pode não ser tarefa das mais fáceis, mas não deixa de ser prazeroso acompanhar novos passos, novas pulsões, agora com um apuro estético ampliado.
Com
narrativa densa, o longa retrata, de forma quase fantasmagórica, os descaminhos
de Ventura, um velho imigrante caboverdiano que vivia no bairro pobre de
Fontainhas, ao norte de Lisboa, antes da região ser destruída pela
administração local e seus moradores realojados.
Entre
passado e presente, Ventura parece existir e se mover por um universo sombrio,
um misto de realidade e memória, retratado de maneira sempre enigmática. O
encontro com uma personagem feminina, Vitalina, vinda de Cabo Verde com sua dor
de viúva, faz reviver antigas lembranças que se embaralham na mente
enfraquecida, mas ativa, de Ventura.
Há
aí um duplo deslocamento: a saída de Cabo Verde, como muitos imigrantes que
chegaram a Portugal há algumas décadas, para viver na periferia; mas de lá
também expulso em nome do progresso desenvolvimentista do país. Vive, portanto,
como um espectro tentando dar conta das imagens que lhe (nos) chegam agora, embaralhadas,
fugidias.
Se
Cavalo Dinheiro soa como uma
continuidade do percurso desse personagem que segue adiante em sua peregrinação quase cega – é a única existência que lhe
resta –, mas sem abandonar o passado, o filme está longe de repetições. Consegue
ser até mais dinâmico que o longa anterior, apesar da austeridade estética de Costa, retrabalhando
elementos que vamos juntando na lógica narrativa do protagonista. E ainda tem
algo de muito afetivo aqui, seja na maneira como se importa com o destino, as
palavras e lembranças desses personagens, mas também em reparar na dignidade de
um povo miserável, os pares de Ventura – a sequência dos “retratos” dos
moradores, ao lado das pobres casas, ao som de uma música crioula antiga, é um dos momentos mais belos e
singelos do filme.
Cavalo Dinheiro acabou levando
os prêmios de Direção de Arte, Som e Fotografia no festival. Esse último
quesito tem importância fundamental na narrativa. O diretor de fotografia,
Leonardo Simões, esteve em Fortaleza e falou do minucioso e genial processo de
iluminação do filme. É um deslumbre o que ele, em parceria com Costa, faz em
tela (o fotógrafo chegou a dizer que não há um único plano ou iluminação no
filme que não fosse pensado por Costa).
Os personagens surgem
envoltos por uma escuridão atroz, quase não se enxerga o seu entorno. Os
atores, geralmente fixados no centro do plano – essa imobilidade que tanto diz
sobre a condição de seus personagens – são banhados em suas feições por feixes
duros de luz que não lhes escapam pela firmeza que conseguem imprimir. Um
cinema de luz e escuridão, um contrate tão forte que faz com aquelas pessoas e
suas histórias, suas memórias, possam existir na tela e no mundo que nos
alcança, sombras que têm muito a contar.
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