segunda-feira, 15 de setembro de 2014

CachoeiraDoc – Parte IV



Aprender a Ler para Ensinar Meus Camaradas (Idem, Brasil, 2013)
Dir: João Guerra



A premissa inicial desse filme é das mais interessantes: dois músicos angolanos saem de sua terra natal para buscar na Bahia matizes de sua cultura original. Tentam resgatar fora de seu país algo inerente a ele próprio. Poucos são os olhares que nos chegam e refletem sobre a transculturalidade entre países marcados pela diáspora negra, especialmente os de língua lusófona, tão caros a nós.

Também as proximidades entre Brasil e Angola ainda são muito pouco exploradas nas nossas práticas sociais, raramente representadas nas manifestações da cultura. É um pouco disso que tenta fazer Aprender a Ler para Ensinar Meus Camaradas, do baiano João Guerra. Escolhe-se a música para reverberar elementos de uma ancestralidade que, rarefeita em Angola, busca-se encontrar na Bahia, essa terra irmã que preservaria muito do que aqui chegou com a vinda das populações negras.

Sambas, sembas, chulas e lamentos negros e demais manifestações são revisitados pelos músicos em contato com outros artistas baianos. O cantor e compositor Roberto Mendes é figura central aqui, pois é com ele que os angolanos farão um show final em que essas matrizes musicais se intercalam. Mas estão lá figuras importantes que carregam essa ancestralidade musical como o sambista Riachão e o cantor e compositor Mateus Aleluia, do antigo conjunto musical Os Tincoãs.

No entanto, há de se pontuar uma via de mão única que se percebe em alguns momentos do filme. Os músicos Wyza Kendy e Dodò Miranda vêm à Bahia para aprender, mas eles também podem ensinar, o que pouco acontece. Tem-se uma postura quase subserviente em relação ao que aqui eles encontram, como se a Bahia fosse o último reduto dessa cultura outrora esquecida (será que a preservamos tanto assim?). Muitas vezes o lugar da fala está somente nos artistas baianos que simplesmente transmitem saberes aos angolanos forasteiros e sem informação.

No entanto, essa percepção não estraga nem desvirtua o passeio por entre culturas que o filme promove. Tão perto culturalmente, mas tão distantes diplomaticamente, Bahia e Angola ganham belos traços de comunhão nesse filme que também revela ao espectador muito do que a ancestralidade nos legou. Cinema é também apre(e)nder.


A Vizinhança do Tigre (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Affonso Uchoa 
 


Com A Vizinhança do Tigre, Affonso Uchoa mira seu olhar em um grupo de jovens de um bairro periférico da cidade interiorana de Contagem, em Minas Gerais. Não há um fio narrativo que guie suas histórias, mas o captar de rotinas (por vezes anódinas, o que torna o filme um tanto redundante também). São garotos pobres que vivem sem muitas perspectivas de estudo ou trabalho, soltos numa realidade social pouco favorável, na iminência da marginalidade.

O estado de violência é o que mais parece rodear aquele ambiente, embora ela nunca marque presença de forma gráfica. A força do filme está em fazer ver a violência por conta de sua quase intromissão na narrativa, esse quase adentrar no filme. Ela está, principalmente, nas brincadeiras (geralmente com armas, tiros e morte) desses garotos, também pelo envolvimento com drogas e gente do tráfico. Trata-se, portanto, de um filme anticlimático, prenunciando uma tensão que nunca explode de fato.

O cineasta demonstra uma intimidade muito grande com aqueles personagens porque consegue captar momentos particulares de entrega para a câmera. Deixa claro, também, que muito do que se vê tem uma base de interpretação evidente (o que se nota em certos diálogos muito ensaiados ou takes bem estudados e realizados), tomando emprestado da própria rotina dos garotos certas situações.

No entanto essa marca de encenação encontra-se muito diluída na narrativa. Tem-se a triste impressão de adentar num universo cheio de possibilidades e vitalidades, como é próprio do mundo dos jovens, apesar da impressão forte de que eles irão derrapar hora ou outra no meio do caminho, inevitavelmente. Isso torna A Vizinhança do Tigre um filme muito sincero sobre a realidade que documenta, além de lançar um olhar melancólico para um futuro incerto e perigoso.

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