domingo, 9 de março de 2014

Música de dentro

Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum (Inside Llewyn Davis, EUA/Reino Unido/França, 2013)
Dir: Joel Coen e Ethan Coen 



 
Inside Llewyn Davis, que recebeu no Brasil o apropriado subtítulo Balada de um Homem Comum (apesar do título original fazer muito sentido também), carrega esse espírito de tristeza que marca a trajetória cambaleante de seu protagonista. Ele é um cantor de folk music que vive nos Estados Unidos do início dos anos 1960 na era pré-Dylan. Quer fazer sucesso, mas não consegue.

Llewyn Davis (Oscar Isaac) é um ser errante. Seu olhar entristecido revela o homem que esbarra nas dificuldades de alavancar a carreira e também nos problemas cotidianos, com a habitual falta de grana e o fato de sempre precisar dormir na casa de alguém a cada noite. Vive como em um mundo paralelo, sempre se dando mal, à cata de pequenos trabalhos que o sustente e oportunidades que o faça deslanchar na carreira. A própria música que canta é reflexo de um estado de espírito carregado de tristeza, isso que vem lá de dentro dele, mas que nem sempre consegue se comunicar com o público.

É também com a bela (e por vezes assombrosa) fotografia de Bruno Delbonnel que o filme melhor consegue traduzir esse mundo soturno em que vive (ou vaga) o personagem. Vez ou outra há uma ponta luminosa de esperança, como o encontro que ele consegue com um importante dono de uma famosa casa de shows, mas no geral o ar lúgubre ronda esse músico talentoso, cuja vida lhe dá poucas chances.

Mas não seria um filme dos irmãos Coen se não houvesse nesse entremeio boas pitadas de humor negro. Llewyn se aproxima muito dos personagens idiotas que transitam na obra dos diretores, como que à mercê das circunstâncias fatídicas que fazem de suas vidas um emaranhado de caminhos desastrosos, embora haja aqui ainda uma grande dignidade para com esse artista tentando sobreviver na selva do mercado musical.

É aí que ganha força alguns personagens secundários, como elementos que interferem na vida do protagonista sem muita piedade. É o caso da enervante Jean (Carey Mulligan), a namorada de um amigo com quem ele teve um caso, quase esmagando o protagonista a cada frase que diz; ou o excêntrico Roland Turner, vivido por um inspiradíssimo John Goodman, com quem Llewyn pega uma surreal carona. Até mesmo o gato de um de seus amigos “inquilinos” se afeiçoa a ele, perfazendo quase como uma espécie de seu alter-ego, um animal que vive fugindo, mas sempre voltando para o mesmo lugar. 

O novo filme dos Coen é, portanto, mais um pilar sólido dentro de uma obra já madura. Aqui, por exemplo, os diretores brincam muito bem com a montagem, seja na decupagem das cenas, no timing exato de cada corte, seja na não-linearidade com que a narrativa é conduzida, especialmente na forma como a história volta ciclicamente ao ponto de partida. Tudo feito com muita segurança, apesar de não ser um filme de grandes momentos. Nem é um grande momento para Llewyn Davis, fadado a continuar apanhando da vida.

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