quinta-feira, 13 de março de 2014

Clamor do sexo

Ninfomaníaca – Volume 2 (Nymphomaniac: Vol. II, Dinamarca/Alemanha/ França/Bélgica/Reino Unido, 2013)
Dir: Lars von Trier


O final pessimista e desolador da primeira parte de Ninfomaníaca ganha agora sua complementação para a história de Joe, viciada e aprisionada pelo sexo que nunca lhe satisfaz. Essa segunda metade do projeto “ambicioso” de Lars von Trier tem os mesmos ingredientes e cadência de quando começou. O filme continua se estendendo mais do que necessário, gastando muito palavreado solto, ainda que o percurso torto da protagonista ganhe mais nuances e chaves de interpretação.

O que mais incomoda aqui, como também acontecia na primeira metade, é que Joe e Seligman estão sempre prontos para encontrar respostas filosófico-científico-religioso-teóricas que expliquem os atos e atitudes de Joe no decorrer do seu percurso, agora já em fase adulta. No entanto, as metáforas das quais o diretor abusava antes aparecem com mais parcimônia aqui, deixando que a trajetória da protagonista ganhe mais destaque.

Nesse momento da história, Joe chega a um ponto em que nega a ninfomania como patologia e diz gostar de ser daquela forma, por mais que o mundo ao seu redor seja consumido por isso. As tentativas de levar uma vida “regular”, depois de ter encontrado Jerôme e superado a negação do amor, são frustradas pelo descontrole que sua condição lhe impõe e lhe exige cada vez mais, física e emocionalmente.

A ideia de família lhe volta constantemente, seja nas rememorações da companhia de seu pai e também na inclusão de uma personagem no fim do filme que vai retomar Joe à posição materna, ainda que numa situação (e ocupação) muito mais esquematizada e sexualmente controversa, para alguns. Curioso como a tragédia anunciada da família destruída surge aqui por meio de uma referência a uma cena importante de Anticristo, filme em que o pessimismo (e também a obsessão sexual) é levado a níveis intensos na obra do diretor.



É aí que entendemos toda a postura autodepreciativa que Joe apresenta desde o início do primeiro filme. Encontramos a protagonista aqui mais segura de si, de seu estado e se compreendendo mais. É como se encontrasse a maturidade de um descontrole, apesar de se questionar mais, buscando se entender melhor. Por mais que seja abrupto o momento em que Gainsbourg assume o protagonismo nas cenas de flashback, a partir de então o filme avança mais na psicologia conturbada da personagem. Vai ser o momento também que o homem Seligman revela-se (ou antes é revelado por Joe), ainda que modestamente. 

Por isso, por esse desnudamento maior dos personagens, que é uma grande pena como von Trier conduz da forma mais leviana possível o final dessa história. Sádico como sempre, o diretor não consegue permitir-se (e permitir a seus personagens, suas criaturas manipuladas) lampejos de reconforto, mesmo quando tudo já se revela tão triste, irreversível e doloroso. As atitudes finais de Seligman e Joe (e de outros dois personagens) traem tudo que vimos antes e o diretor perde assim uma oportunidade de parecer mais verdadeiro a troco de mais uma mensagem niilista da vida. Nada contra esse tipo de final, a menos que ela seja coerente com o que acabamos de ver.

2 comentários:

Alex Gonçalves disse...

Rafael, minha única objeção com "Ninfomaníaca" está mesmo na divisão desnecessária imposta pela produtora. Tirando isso, é um grande filme. Este volume se sobressai diante do anterior porque elucida muitas coisas relacionadas ao caráter dos protagonistas. Seligman cresce muito após aquela revelação sobre a inexistência de sexo em sua vida totalmente dedicada à Literatura e Joe transforma-se em um modelo ideal para Lars von Trier expor sua desesperança na humanidade. Após o calor do momento, aponto a cena de sexo oral no inadimplente feito pelo Jean-Marc Barr não apenas como a mais polêmica em toda a jornada sexual de Joe, mas também como uma das mais importantes. Penso que von Trier desejou ilustrar com ela que todos nós somos seres humanos primitivos e que só poderemos conviver em harmonia se conseguirmos anular aquilo que é prazeroso para nós, mas danoso ao próximo. Portanto, creio ser perfeita a conclusão da história, pois esta é uma meta que definitivamente não atingiremos. Nem penso que há incoerência no comportamento dos protagonistas na cena final. Como bem Joe alerta Seligman sobre P, sempre tiramos as conclusões mais equivocadas sobre as pessoas e isso se aplica perfeitamente em nosso julgamento prévio sobre Seligman, um sujeito culto e com vasta bagagem cultural que pode a qualquer momento se mostrar o indivíduo mais desprezível entre nós, um julgamento de aparências também discutido no texto de von Trier.

Resta agora aguardar a versão de cinco horas e meia.

Rafael Carvalho disse...

Ok, concordo que o Seligman cresce como personagem, mas acho que ele desaba completamente com aquela atitude final. Não me parece crível, não me convence. Vejo claramente o von Trier impondo a sua visão niilista e negativa do mundo aos seus personagens, forçando muito a barra, e sem necessidade porque o que vimos antes já atesta um ponto de vista super negativo e duro da jornada daquela mulher. Sua leitura é até interessante, mas ainda assim vejo com maus olhos aquele final.