Obsessão (The Paperboy,
EUA, 2012)
Dir:
Lee Daniels
Não
foi à toa que Lee Daniels viu seu penúltimo filme ser lançado no Brasil somente
este ano, momento em que seu novo trabalho, o moroso O Mordomo da Casa Branca, também chegou aos cinemas comerciais.
Isso porque Obsessão é fraco em todos
os sentidos e parece só ganhar espaço pelo gás que o diretor tenta dar a seus
projetos. Mas se o trabalho recente é quase nulo na sua articulação clássica
com tons de crítica social, o recente é um atropelo cinematográfico. Um filme
arriscadíssimo por conta da história suja que tem pra contar e pelo
desequilíbrio que ronda os personagens (até aqueles de que menos esperamos).
Por
isso mesmo, o projeto pede um diretor de fibra, que saiba dar contornos
interessantes a desdobramentos insólitos, que saiba delinear situações
complexas de gente cheia de vícios, que defenda sua história com coragem. É
tudo que Lee Daniels não tem e não é. É difícil até mesmo entender quem é o verdadeiro protagonista
aqui e aonde o filme quer chegar com sua trajetória de imundices. A famosa cena
em que Nicole Kidman mija em cima de Zac Efron, por exemplo, não é ruim pelo
seu teor, mas porque é mal orquestrada, dirigida, montada. Todo o filme é
assim, cheio de opções estranhas, estética e narrativamente, sem foco, mal
pensadas, sem paixão.
Spring Breakers – Garotas Perigosas (Spring Breakers, EUA, 2013)
Dir:
Harmony Korine
Pois
coragem é tudo que Harmony Korine tem e demonstra nesse seu Spring Breakers, um retrato cru, crítico
e escroto sobre o "ser jovem americano" de hoje. Mas longe de fazer
somente um mero comentário social, o cineasta faz escolhas narrativas muito
certeiras. Primeiro porque Korine cria um universo muito particular ali, desde
as cenas inicias numa praia em que uma série de adolescentes dançam impudentemente
e fazem gestos obscenos para a câmera. É um mundo porra-louca, ignóbil, visto
como uma grande curtição despudorada. É tudo que as protagonistas (Selena
Gomez, Vanessa Hudgens, Ashley Benson, Rachel Korine) desejam, é àquele
universo que elas querem pertencer, por onde circular.
Depois
porque, ao incorporá-las àquele ambiente, o diretor-roteirista nunca as
ridiculariza; e vai além: deixa que elas se tornem senhoras daquela narrativa. Se
de início o filme acompanha as meninas naquela aventura, torna o sonho em
pesadelo, faz surgir um benfeitor (também um oportunista bon vivant escroto, vivido insanamente por James Franco), o filme vai
saber também se curvar a elas na sua ignomínia, mais uma vez sem julgá-las. A
cena em que eles invadem a casa do gângster é exemplar nesse sentido, tudo ali
serve ao propósito delas, seja real ou não. É quando todo o estilo hype da fotografia multicor e a câmera
lenta deixam de ser um mero modismo estético moderninho e passa a comentar,
melancolicamente, aquela trajetória torta. É uma grande aventura para elas, mas do outro lado da tela só temos a lamentar.
The Bling Ring – A Gangue de Hollywood (The Bling Ring, EUA, 2013)
Dir:
Sofia Coppola
Sofia
Coppola faz aqui algo parecido a Spring
Breakers: tece um olha por dentro de um universo bem específico, dominado
pela vontade de jovens em serem e conquistarem certas coisas; ela não os julga,
mas coloca na mira toda uma sociedade baseada no consumo e no exibir. Os garotos
californianos que conseguiam invadir as casas das celebridades de Hollywood com
a maior facilidade, roubar e exibir-se com seus pertences caríssimos, tão
abundantemente espalhados pelos cômodos das casas, tanto que muitos dos donos nem notavam
a falta quando algo era subtraído, são jovens que foram criados num mundo de
sonho glamouroso. Coppola é pessoa ideal para esse tipo de registro,
pois parece conhecer muito bem aquele ambiente, está apta para abordar esse
tipo de comportamento que lhe é tão próximo, vinda de tradicional família da
indústria hollywoodiana.
Mas
o maior entrave do filme é que ele pouco consegue dar maiores dimensões àqueles
personagens. Conhecemos suas fraquezas, entendemos como sua mente juvenil (e delinquente-burguesa,
de marca) funciona. Mas o filme pouco avança nos propósitos, conflitos, rotinas
e vida familiar que eles levam, com um pouco de exceção para a personagem de
Emma Watson. Por outro lado, o fascínio que Marc (Israel Broussard) nutre pelo estilo de vida da colega de furto
Rebecca (Katie Chang) frustra pelo desprezo que o roteiro tem por essa relação
que parece tão interessante. O filme acaba se tornando redundante nesse show de
invasões domiciliares e curtição (e o filme já começa com uma). Brincando de
ser Paris Hilton, aqueles jovens são mais um reflexo da monstruosidade alimentada
por um certo convívio social.
Doce Amianto (Idem, Brasil, 2013)
Dir:
Guto Parente e Uirá dos Rei
Doce Amianto não tem
vergonha nenhuma em ser fake. Esse é
o seu trunfo, é ali que ele quer se estabelecer. Se logo no início vemos a
protagonista correndo contra um fundo colorido, num evidente uso de chroma-key que já dá o tom aberrante que
rege todo o filme, já deixando o espectador de sobreaviso pelo que se encontrará
pela frente. Para interpretar a protagonista Amianto, o ator Deynne Augusto
travestiu-se, coisa que nunca tinha feito antes. O excesso dos figurinos e
maquiagem e os constantes experimentos visuais usados pelos diretores cearenses
funcionam como uma carta de princípios para estabelecer o lugar deslocado em
que a narrativa se encontra, ainda que o filme opere no registro do melodrama, usando
e desvirtuando algumas de suas marcas.
Depois
que a protagonista é abandonada, literalmente na sarjeta, pelo homem que ama,
ela vai refugiar-se num mundo onírico de fantasias, tendo como única companheira
a aparição de sua amiga morta, Blanche (vivida pelo próprio Uirá dos Reis). Pareceria
tudo muito estranho nesse filme, caso não houvesse tanta segurança na condução
de um universo tão particular. É certo que o ritmo da narrativa cai bastante
quando o roteiro insere uma história paralela que em nada parece ter relação
com o drama de Amianto. Não é, portanto, um filme de caminhos fáceis, mas faz
muito bem ao se propor uma criação de cores tão intensas quanto pessoais.
Crazy Horse (Idem, EUA/França,
2011)
Dir: Frederick Wiseman
Mais um documentário de observação, dessa vez com foco nas apresentações do
famoso cabaré francês de nu artístico Crazy
Horse. Wiseman, mestre do cinema direto, filma uma bela sinfonia de corpos
que dançam e se despem, sem pudores, com tesão. Seu maior acerto está em se
interessar mais pelos bastidores e pela preparação do que pelo espetáculo em
si, sendo esse bastidor já um espetáculo de luzes e curvas sinuosas em si. Mas
também de reuniões da cúpula produtora dos shows, dos testes de audição e conversas
de camarim e corredores que fazem parte da rotina diária da casa, também com
seus problemas e conflitos internos.
O filme só perde um pouco quando se esforça por ouvir os responsáveis pelo show, mesmo que se aproveitando de entrevistas dadas a outras pessoas, como se isso não servisse ao próprio filme como respostas diretas a certos questionamentos. Busca no explicativo algumas relações e processos que se estabelecem ali naquele ambiente e por isso enfraquece a veia direta do cinema que o diretor tão bem persegue. De qualquer forma, esse olhar sobre o lado de dentro daquele lugar resplandece de beleza, excitação e apuro estético como não podia ser diferente, vindo desse cabaré e desse cineasta.
O filme só perde um pouco quando se esforça por ouvir os responsáveis pelo show, mesmo que se aproveitando de entrevistas dadas a outras pessoas, como se isso não servisse ao próprio filme como respostas diretas a certos questionamentos. Busca no explicativo algumas relações e processos que se estabelecem ali naquele ambiente e por isso enfraquece a veia direta do cinema que o diretor tão bem persegue. De qualquer forma, esse olhar sobre o lado de dentro daquele lugar resplandece de beleza, excitação e apuro estético como não podia ser diferente, vindo desse cabaré e desse cineasta.
2 comentários:
Obsessão: gosto muito da estética suja do filme, bem como das interpretações. Meu verdadeiro problema com o filme está na falta de foco nos personagens. É aquele tipo de drama que termina sem a gente saber qual história ele realmente gostaria de contar. De qualquer modo, ainda tenho interesse pelo romance do Pete Dexter. Dizem que é muito superior ao filme.
Spring Breakers: é incrível como esse filme cresce depois da primeira visita, né? Eu nem sei se faço revisão, parece um tipo de história que fica mais fascinante quando apreciada uma única vez. E quer saber? Não acho que o Korine quis manter uma sensação de incômodo ao fim daquela jornada, como se lamentássemos todas as escolhas feitas por aquelas garotas. Eu acredito que ele fez um filme sobre descobertas e sobre a importância de testar nossos próprios limites em jornadas de riscos. Acredito que a violência foi um caminho bem oportuno (e estiloso) para ilustrar o rito de passagem.
The Bling Ring: acho que essa visão sua, de testemunhar com lamento uma trajetória errante, se aplica muito melhor nesse filme da Coppola. É o melhor filme dela desde "Encontros e Desencontros" e aprecio o modo como ela usa o humor para ridicularizar essa geração jovem que parece necessitar tanto do status e da conquista do poder material para acreditarem que serão relevantes nesta existência. Chega mesmo a ser redundante em alguns momentos, mas é um filme muito bom.
É Alex, tenho a mesma impressão sobre os personagens de Obsessão: o filme não tem foco, não estabelece bem a importância dos conflitos deles e seu nível de importância. Esse filme é uma bagunça.
Sobre Spring Breakers, eu vejo um incômodo porque sinto uma melancolia e tristeza muito forte ao final, quase uma pena sobre vida tão erradas e de mentalidade tão tacanha. Acho que ele vai além de revelar somente uma passagem de fase, ele olha de dentro um grupo que se autoconsome.
Bem, eu gosto demais de Um Lugar Qualquer, mas Bling Ring é um filme cansativo, diz a que veio logo no início, estaciona e ganha certa força no final.
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