Os Miseráveis (Les
Miserábles, Reino Unido, 2012)
Dir:
Tom Hooper
Como adaptação de um espetáculo musical teatral, Os Miseráveis não esconde suas origens de grandiloquência operística, tanto em termos de produção, como em termos de exageros dramáticos. Baseado no famoso e homônimo livro de Victor Hugo, o filme expõe sua natureza de melodrama escancarado. Uma pena que a narrativa tenha caído nas mãos de Tom Hooper, um diretor que tenta imprimir certa identidade, mas só consegue tornar tudo em um desarranjo narrativo.
Se
em O Discurso do Rei havia pelo menos
uma história com rumos interessantes, capazes de esconder os problemas de
direção do filme, aqui o roteiro não ajuda em nada no seu formato de dramalhão maniqueísta
e tom elevado, desmerecendo o próprio melodrama enquanto formato narrativo. Tudo
é conformado para infligir pena às trajetórias solitárias e sofridas dos
personagens. O problema desse tom é que, ao invés do resultado emocional, a
história causa distanciamento, uma frieza que surge pela obrigação em se comover, um tiro
no próprio pé.
O
personagem de Jean Valjean (Hugh Jackman) é acusado a 11 anos de prisão por ter
roubado um mísero pão. Perseguido pelo apático policial Javert (Russel Crowe),
depois de infligir a condicional quando solto, ele busca enriquecer e passa a ajudar
a filhinha da sofrida Fantine (Anne Hathaway), mãe solteira obrigada a se prostituir
para sustentar a garota. Quando a menina cresce, apaixona-se pelo jovem
revolucionário Marius (Eddie Redmayne).
O
enredo acompanha os passos sofridos dos personagens em meio a todo o caos e
miséria que a Revolução Francesa e o poder autoritário legaram ao povão depois de anos de conflitos, mas o
filme nunca se esforça para esclarecer o contexto histórico das ações,
enriquecer aquela discussão do estado de pobreza, mas somente contrapor bons e
maus tipos, expor os maus-tratos como estratégia simplista que inspira
solidariedade e compaixão no espectador, tudo muito artificioso.
Mas
os problemas do filme são mais graves que isso. A começar pela direção
desastrosa de Hooper, com seus enquadramentos e tomadas cheios de firulas
(ângulos inclinados como tentativa de soar “estiloso” são o mais irritante). Lembra produto televisivo mal feito e sem talento. A montagem segue a mesma tentativa
vazia de impressionar com ritmo rápido que estraga a emoção de várias cenas
com seus cortes insistentes (a única exceção é o número I Dreamed a Dream, interpretada por Hathaway, rodado em único take e em primeiro plano, só estragada pela interpretação acima do tom da atriz). Para um musical de quase 3 horas,
soa como tentativa de criar ritmo, mas acaba mesmo estragando a emoção do
filme.
E não só Hathaway, mas todo o elenco parece instruído
a exagerar um tanto em suas interpretações, perseguindo essa mesma emoção exacerbada
que é a obstinação do filme. E não ajuda em muita coisa que os atores tenham
cantado de verdade nos sets de
filmagens, os números não passam do correto, sem momentos memoráveis. Quase
todas as falas dos personagens são cantadas, sem números coreografados, o que faria
de Os Miseráveis um autêntico
musical. Mas sem talento e competência, não passa de um projeto desastroso.
4 comentários:
Só não concordo que Hathaway estrague as coisas. No mais, assino embaixo.
Uma tortura cantada!
Cecilia, estragar talvez seja uma palavra forte, mas quando eu vejo bons atores fazendo esse tipo de coisa, o filme já perde pontos comigo.
Cara, eu "rebato" praticamente todas as suas considerações negativas quanto a "Os Miseráveis". Em outros projetos, a dramaticidade exagerada pode soar prejudicial, mas o filme compra essa lógica com tanto fervor que eu realmente não fiquei incomodado. Pelo contrário, o filme me conquistava à medida que sua bela história ia avançando.
Acho que a grandiloquência e a extravagância do filme não é algo a ser escondida. Tudo (eu digo tudo) é elevado à décima potência aqui, o desafio é o espectador embarcar nessa ou não.
Músicas excelentes, entrega dos atores maravilhosa e a direção de Hooper, que me incomodou profundamente em filmes como "O Discurso do Rei", se revela acertada na maioria das vezes. Mas como se trata de um diretor irregular, tem as suas parcelas vergonhosas. O plano inclinado eu nem reclamo, pois aqui são rápidas e não mero exercício para parecer "diferente", como o filme do rei gago.
Enfim, eu adorei o filme. Achei uma ópera cativante, burlesca, com ótimos números musicais solos e comovente. Não enxerguei o maniqueísmo que vc viu, até porque Javert (Crowe) é pintado muito bem pelo roteiro (a entrega da medalha ao garoto e a redenção são exemplos disso).
Eu entendo quem não gostou, mas eu me joguei na causa. O filme tem problemas - nenhum que vi na sua crítica, como músicas demasiadamente expositivas e a pecha da teatralidade -, mas eu fui surpreendido.
Meu tom parece um pouco agressivo neste comentário, só que não é, Rafa hahaha!
Abraço!
Elton, você é um lord, seus comentários nunca têm um tom agressivo, relaxa. Mas vamos lá.
Já tentaram me convencer que a coisa da dramaticidade está muito ligada a esse tom operístico do filme, mas o problema é que ele aparece aqui como uma forçação que só diminui a intensidade da história. Mas é engraçado quando você diz que não ficou incomodado porque aí já é a forma como o filme cativa a gente e não há como negar essas possibilidades. De minha parte, ainda continuo achando exagerado demais.
Desde a direção até às atuações, tudo me soa como uma tentativa de emocionar à força. Talvez o problema seja comigo mesmo que não consigo embarcar num filme com esse tratamento. Sobre os números, gosto das músicas também, mas a montagem fragmentada, estilo videoclips da MTV, quebram demais o ritmo da coisa, assim como a expressão exagerada dos atores, um grupo muito bom deles, mas mal dirigidos.
O problema do filme não me parece a emoção puramente, mas os artifícios que o diretor usa para tentar aflorar isso no espectador e, principalmente, os que eles utiliza como agregadores de emoção, mas que acabam tendo efeito contrário. Enfim, não me desceu. Cada vez que eu penso nele, mais vontade eu tenho de esquecê-lo.
Abraço!
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