Dir: Martin Scorsese
“Que filme lindo esse trabalho de Martin Scorsese”. Diante dessa frase minha, um amigo achou estranho aquele adjetivo referente a um filme do mesmo diretor de Taxi Driver, Os Bons Companheiros, Os Infiltrados. Pois A Invenção de Hugo Cabret é lindo mesmo, um Scorsese lúdico como nunca se viu em sua filmografia, enveredando por caminhos distintos, abraçando a tecnologia 3D com a garantia de quem faz valer suas potencialidades e criando ainda uma das mais lindas homenagens ao cinema dos primeiros tempos. Em especial a Georges Méliès e sua veia criativa que dotou o cinema do fascínio pela ficção e pela fantasia.
Seria um filme marcadamente infanto-juvenil, ingênuo mesmo, se não fossem as referências explícitas à história do cinema, o que não deixa perder a graça para os mais novinhos, mas que serve para conquistar qualquer apaixonados pela sétima arte. Adaptado do livro homônimo do norte-americano Brian Selznick, A Invenção de Hugo Cabret é um deleitosa viagem pelo universo esperançoso de um órfão que mora entre as paredes de uma estação de trem da França no início do século passado, cuidando e dando corda aos relógios do lugar, ofício herdado do pai.
Hugo (Asa Butterfield) é esse menino solitário, obcecado por desvendar o mistério que cerca um autômato (boneco mecânico feito de metal que imita os movimentos dos humanos) deixado pelo pai (Jude Law). Seu encontro inicialmente desastroso com o velho dono de uma loja de bugigangas na estação (Ben Kingsley) e também com a neta deste (Chloë – Grace – Moretz), vai lhe abrir outros caminhos e algumas grandes surpresas (e para o espectador também, principalmente quando se revela a verdadeira identidade de um dos personagens).
Há de se pontuar que a direção de Scorsese continua vigorosa e segura, mas por vezes o ritmo da narrativa vacila, ou se demora um pouco para alcançar seu desfecho nas sequências. O fator emotivo também se estende em alguns momentos, sendo uma grande preocupação do filme, ainda mais na parte final. Mas nada que faça perder o interesse na história, principalmente quando ganha o tom é de aventura, e há muitos destes. Há ainda proximidades bastante interessantes entre o universo diegético do filme e sua relação direta com o cinema. Primeiro, o mundo dos relógios, engrenagens e maquinarias remete ao próprio cinema enquanto artifício, trabalho manual (que dá muito trabalho, ainda mais naquela época), como se mostra na última parte da película.
Além disso, toda a beleza visual, onipresente na narrativa, parece remeter ao universo onírico e suntuoso da imaginação, da criação lúdica, algo que o cinema começou a imprimir na tela, causando fascinação. Assim, o filme é dotado de um trabalho estético impecável e de extremo bom gosto, desde a reconstituição detalhista de época, à luminosidade gritante e a uma trilha sonora viva, resplandecente. Há muito tempo que um filme não parecia reunir um conjunto técnico que fosse tão impactante e também importante para a narrativa, a ideia de fantasia e sonho lúdico fazendo soltar aos olhos (e ouvidos) tamanha a beleza plástica.
E vindo de um mestre inconteste do cinema, é também uma grande alegria poder presenciar um uso tão bom do recurso 3D, sem exageros, em meio a tantos exemplares desastrosos que vemos por aí nos cinemas. A história contada aqui está acima do exibicionismo dessa técnica, que se preocupa com a supervalorização de determinados objetos de cena, como ponteiros de relógio, trens, fumaça, fogos de artifício (é exemplar, por exemplo, como o diretor utiliza o efeito para alargar a cara de um personagem a fim de torná-lo mais ameaçador). Mas mais que isso, o 3D permite também a configuração, de novo, de uma atmosfera de fantasia e sonho, uma fuga do mundo real para revelar justamente o quanto o cinema tem de tão mágico e fabular. É como se o filme precisasse ser feito em 3D.
Grande celebração do poder do cinema enquanto artifício do sonho, A Invenção de Hugo Cabret se revela um dos desfrutes mais belos que Martin Scorsese pode nos oferecer. O diretor das narrativas policias e violentas nos entrega aqui uma história de coração, singela e plena, renovando o amor ao cinema e sua potência universal de criação de mundos. Reverencia o gênio criador do homem que vislumbrou o status de arte desse invento para nos fazer acreditar, mais de cem anos depois, que o cinema permanecerá vivo enquanto houver quem ainda o leve adiante com respeito e sabedoria.
“Que filme lindo esse trabalho de Martin Scorsese”. Diante dessa frase minha, um amigo achou estranho aquele adjetivo referente a um filme do mesmo diretor de Taxi Driver, Os Bons Companheiros, Os Infiltrados. Pois A Invenção de Hugo Cabret é lindo mesmo, um Scorsese lúdico como nunca se viu em sua filmografia, enveredando por caminhos distintos, abraçando a tecnologia 3D com a garantia de quem faz valer suas potencialidades e criando ainda uma das mais lindas homenagens ao cinema dos primeiros tempos. Em especial a Georges Méliès e sua veia criativa que dotou o cinema do fascínio pela ficção e pela fantasia.
Seria um filme marcadamente infanto-juvenil, ingênuo mesmo, se não fossem as referências explícitas à história do cinema, o que não deixa perder a graça para os mais novinhos, mas que serve para conquistar qualquer apaixonados pela sétima arte. Adaptado do livro homônimo do norte-americano Brian Selznick, A Invenção de Hugo Cabret é um deleitosa viagem pelo universo esperançoso de um órfão que mora entre as paredes de uma estação de trem da França no início do século passado, cuidando e dando corda aos relógios do lugar, ofício herdado do pai.
Hugo (Asa Butterfield) é esse menino solitário, obcecado por desvendar o mistério que cerca um autômato (boneco mecânico feito de metal que imita os movimentos dos humanos) deixado pelo pai (Jude Law). Seu encontro inicialmente desastroso com o velho dono de uma loja de bugigangas na estação (Ben Kingsley) e também com a neta deste (Chloë – Grace – Moretz), vai lhe abrir outros caminhos e algumas grandes surpresas (e para o espectador também, principalmente quando se revela a verdadeira identidade de um dos personagens).
Há de se pontuar que a direção de Scorsese continua vigorosa e segura, mas por vezes o ritmo da narrativa vacila, ou se demora um pouco para alcançar seu desfecho nas sequências. O fator emotivo também se estende em alguns momentos, sendo uma grande preocupação do filme, ainda mais na parte final. Mas nada que faça perder o interesse na história, principalmente quando ganha o tom é de aventura, e há muitos destes. Há ainda proximidades bastante interessantes entre o universo diegético do filme e sua relação direta com o cinema. Primeiro, o mundo dos relógios, engrenagens e maquinarias remete ao próprio cinema enquanto artifício, trabalho manual (que dá muito trabalho, ainda mais naquela época), como se mostra na última parte da película.
Além disso, toda a beleza visual, onipresente na narrativa, parece remeter ao universo onírico e suntuoso da imaginação, da criação lúdica, algo que o cinema começou a imprimir na tela, causando fascinação. Assim, o filme é dotado de um trabalho estético impecável e de extremo bom gosto, desde a reconstituição detalhista de época, à luminosidade gritante e a uma trilha sonora viva, resplandecente. Há muito tempo que um filme não parecia reunir um conjunto técnico que fosse tão impactante e também importante para a narrativa, a ideia de fantasia e sonho lúdico fazendo soltar aos olhos (e ouvidos) tamanha a beleza plástica.
E vindo de um mestre inconteste do cinema, é também uma grande alegria poder presenciar um uso tão bom do recurso 3D, sem exageros, em meio a tantos exemplares desastrosos que vemos por aí nos cinemas. A história contada aqui está acima do exibicionismo dessa técnica, que se preocupa com a supervalorização de determinados objetos de cena, como ponteiros de relógio, trens, fumaça, fogos de artifício (é exemplar, por exemplo, como o diretor utiliza o efeito para alargar a cara de um personagem a fim de torná-lo mais ameaçador). Mas mais que isso, o 3D permite também a configuração, de novo, de uma atmosfera de fantasia e sonho, uma fuga do mundo real para revelar justamente o quanto o cinema tem de tão mágico e fabular. É como se o filme precisasse ser feito em 3D.
Grande celebração do poder do cinema enquanto artifício do sonho, A Invenção de Hugo Cabret se revela um dos desfrutes mais belos que Martin Scorsese pode nos oferecer. O diretor das narrativas policias e violentas nos entrega aqui uma história de coração, singela e plena, renovando o amor ao cinema e sua potência universal de criação de mundos. Reverencia o gênio criador do homem que vislumbrou o status de arte desse invento para nos fazer acreditar, mais de cem anos depois, que o cinema permanecerá vivo enquanto houver quem ainda o leve adiante com respeito e sabedoria.
7 comentários:
Muito bonito filme mesmo. As suas referencias de cinema me lembraram cinema paradiso.
POderia ser um filme bobo, mas pelas referencias cinefilas se tornou um bom filme.
Scorsese foi com tudo sem medo. Mas a trama foi justamente o que eu esperava depois de ter visto o trailer inúmeras vezes. Sim, foram bonitas as diversas homenagens feitas ao cinema, mas a trama não tem nada além de um desenvolvimento oco e fraco, onde parece que apenas a fantasia infantil do já clichê garotinho esperto sem família era o que interessava. "Hugo Cabret" não merece levar nenhum Oscar para casa, e vale ressaltar que, se assim for, baterá um negativo recorde na história do cinema.
Tecnicamente perfeito, mas Scorsese já teve melhores momentos.
Cumprimentos cinéfilos!
O Falcão Maltês
É um belo e doce filme. Ainda gosto mais de O ARTISTA, mas Scorsese fez um trabalho primoroso, tanto em sua declaração de amor ao cinema quanto na parte técnica. Como você bem disse,o uso do 3D é preciso, bastante condizente com a proposta do filme.
Elizio, sabe que falando do filme para Indhira, ela também lembrou de Cinema Paradiso? Tem lá suas relações mesmo, bem lembrado.
Pera aí, Brenno, você pode achar a história simples demais, a direção sem grandes atrativos, mas sério que nem mesmo nos quesitos técnicos o filme merece reconhecimento da Academia? Perdão, mas aquela fotografia, direção de arte, trilha sonora e design de som, meu Deus, são soberbas, funcionam em conjunto e são de extremo bom gosto. De fato, o filme tem até caído um pouco na minha mente, mas ainda assim continua uma bela homenagem ao cinema e ao poder do sonho.
Antonio, acho bem difícil comprar esse filme aqui com qualquer outra coisa que o Scorsese tenha feito porque são coisas bem distintas. Daí que é complicado dizer quais momentos foram melhores, mas sei que a história desse aqui me deixou nas nuvens, satisfeitíssimo e emocionado. Pra quê mais?
Wallace, dos filmes do Oscar ainda gosto mais de O Artista e de Os Descendentes também, mas é impossível não se emocionar com a homenagem que o Scorsese faz aqui, com toda sua competência e maestria.
Rafael, fiquei entusiasmada com seu parágrafo final! Ouço vez por outra críticas ao cinema contemporâneo. Realmente há muitas obras medíocres em Hollywood, mas ainda lampejam tiradas geniais aqui e ali, e ... acolá, como provam tantos bons filmes europeus e asiáticos. Há outra arte tão vicejante no século XXI?
Por conta dessa convicção, mantenho a foto dos inventores do cinematógrafo na altura da postagem mais recente do By Star Filmes. Para mim é como se os irmãos Lumière estivessem assistindo com interesse as últimas obras dos artesãos do mundo maravilhoso do cinema.
Olha Stella, essa crítica ao cinema contemporâneo é coisa de gente que ou é saudosista demais com o cinema do passado ou não assiste a muitas coisas novas (ou só assiste coisas ruins). Porque, claro, sempre existiram péssimos filmes. Mas quando você tem um Martin Scorsese fazendo cinema (e tantos outros grandes cineastas ainda em atividade), não há do que reclamar. Basta que a gente saiba fazer boas escolhas.
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