terça-feira, 17 de março de 2015

Militante e imprescindível

Selma: Uma Luta pela Igualdade (Selma, EUA/Reino Unido, 2014)
Dir: Ava DuVernay
 


Selma: Uma Luta pela Igualdade pode ser tomado facilmente como um filme puramente militante, mas no melhor dos sentidos. Está no cerne dessa história ser socialmente engajado, mas nunca forçado, e o filme não foge dessa espécie de vocação autoproclamada. Se por um lado perde nas possíveis sutilezas, investindo em situações mesmo didáticas, ganha dignidade por nunca esconder sua natureza genuinamente combativa.

Tendo como figura central um dos maiores líderes do povo negro nos Estados Unidos, o reverendo Martin Luther King (vivido por um ótimo David Oyelowo), Selma ganha pontos também por não investir no caminho biográfico. Prefere focar num momento específico em que o movimento negro, liderado por ele, buscava fazer valer a lei que permite à população negra o direito legítimo de votar nas eleições políticas do país.

Não deixa de ser uma forma de dar conta da luta de vida de um homem, mas Selma não fica preso a essa figura mítica, o que poderia ser um caminho fácil de pura idolatria. Certamente que seu núcleo familiar, com destaque para a relação com a esposa Coretta (Carmen Ejogo), surja nos entrepostos de seu compromisso com as causas que defende. A coragem e o esforço incansável de Luther King, além da força de sua oratória, são muito bem tonalizados pela performance de Oyelowo, mas nunca se sobrepondo  à história. O personagem nunca está acima da causa.

O filme interessa-se mais em mostrar as instâncias e conflitos que estão ao redor dessa batalha não só política, mas social, que requer o esforço (e a vida) das pessoas que se juntam a ele. O filme acompanha as investidas de Luther King que encontra no estado do Alabama o lugar ideal para empreender sua jornada de igualdade de direitos, mirando no racismo intenso dos estados do sul do país.

Da cidade de Selma, ele conclama o povo negro às famosas marchas até a capital, Montgomery, em meados dos anos 1960, a fim de reivindicar e pressionar os poderes políticos, fazendo frente à resposta violenta das forças policiais. Ainda que seja aí que o filme aposte nas situações mais maniqueístas, ao menos encontra um tom que busca nunca penalizar os militantes negros, mesmo que estejam ali em situação de cruel vulnerabilidade. 

O melhor é que o filme nunca apela para dramas baratos ou chorosos, ainda que consiga evocar na luta política uma carga emocional muito forte, mas sem pieguices. E isso é muito importante num filme com pretensões militantes tão claras e expostas. Ava DuVernay conseguiu fazer de sua bandeira um filme clássico na essência, com verniz combativo e dignidade suficiente na maneira de lidar com questões tão complexas e escorregadias. Move o espectador sem precisar fazer concessões. Num momento em que a polícia americana ainda assassina sua população negra de forma arbitrária (alô, Brasil!), Selma é um dos registros políticos mais fundamentais da atualidade.

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