sexta-feira, 18 de julho de 2014

Entre mistérios e apatias

O Homem Duplicado (Enemy, Canadá/Espanha, 2013)
Dir: Denis Villeneuve


Curioso pensar que existe uma personalidade cinematográfica forte nesse filme, adaptado da obra homônima de José Saramago, também ele senhor de uma escrita marcadamente pessoal. Numa transposição para o cinema, esse tipo de material exige um pulso firme. Villeneuve parece saber muito bem disso, dirige o longa com respeito aos mistérios que a história proporciona, muito próximo de seu universo de tensões e intrigas.

No entanto, isso não quer dizer que a obra, no cinema, seja necessariamente satisfatória. É certo que Villeneuve estabelece um clima de estranheza aqui, mas em grande parte do longa não parece haver muito o que fazer com isso, apostando o tempo todo numa cansativa atmosfera de desespero, para além do tom surreal mal ajambrado, pincelado aqui e ali na trama.

Ora, o professor de História Adam (Jake Gyllenhaal) descobre, por acaso, um duplo seu, homem idêntico que vive na mesma cidade. Segue-o e fica visivelmente desparafusado quando atesta a semelhança entre ambos, não sabe o que fazer depois disso. Tem um relacionamento levemente conturbado com a namorada (Mélanie Laurent); no outro polo, seu sósia Anthony trabalha como ator secundário em pequenas produções, possui comportamento mais arisco e lida com o ciúme constante da esposa grávida (Sarah Gadon).

São esses pequenos conflitos que permeiam a rotina já instável dos dois homens, o que só se agrava com a descoberta da estranha duplicidade. Há certa melancolia posta em cena, ajudada por uma trilha sonora soturna e bela, mais fotografia quente e não naturalista. Ainda que a história, não contente com essa atmosfera de um quase torpor, invista em alguns lances misteriosos envolvendo visões e sonhos que perturbam os protagonistas, a narrativa não abandona sua apatia.

Na terça parte do filme, a coisa ganha outros elementos porque alguém decide deixar de ficar estupefato com aquela situação e fazer algo. Mas é justo quando o roteiro desanda, as situações soam forçadas para que algo inevitável (e trágico) aconteça e uma curiosa reviravolta tome conta da história no seu final. Quando o filme resolve se mexer, é para pior.

Existe ainda uma impressão forte de que as enigmáticas imagens que envolvem uma chave, reuniões secretas numa casa misteriosa e (mulheres-)aranhas existam como algo de simbólico, tudo envolto numa névoa de segredos da qual o filme está pouco interessado em desvendar. Não oferece nem mesmo caminhos perceptivos mais direcionados, ainda que sem a pretensão de se revelar por completo (como acontece no melhor David Lynch, por exemplo); dificulta mais do que ajuda. 

Esse é o braço surrealista do filme, contribuindo muito pouco para uma já apática história, ou antes tem o objetivo de causar certa impressão no espectador, ainda que gratuita. Está tudo tão concentrado em parecer bizarro e insondável que acaba soando como mero capricho, chegando ao ápice numa cena final desconcertante. Pena que até aí muita coisa já ruiu em meio aos mistérios.

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