Moacir – Arte Bruta (Idem, Brasil, 2005)
Dir: Walter Carvalho


Bela surpresa essa primeira incursão do grande diretor de fotografia brasileiro, Walter Carvalho, como cineasta (mesmo que tenha dividido a direção do ótimo
Janela da Alma com João Jardim, mas mais pela concepção visual do filme). Seu documentário, sem grandes pretensões, abraça uma figura exótica para revelar um artista improvável, um homem com traços de esquizofrenia que faz pinturas e desenhos, embora nunca tenha passado por uma escola. "Arte bruta” no jargão psicanalítico representa u tipo de manifestação artística concebida sem nenhuma noção estética. É o tipo de história que vale a pena ser descoberta pela força de seu personagem e da riqueza de seu trabalho.
O melhor do filme é que nunca irá propor uma explicação nem para os problemas mentais de Moacir e, muito menos, para seu visível talento criativo. A observação da arte do personagem nunca é “cienficada”, porque, por si só, ela já é capaz de encantar o espectador. A arte se auto-explica. Walter Carvalho se presta a conhecer Moacir e o estado de pobreza em que vive, valorizando e respeitando demais seu personagem, mesmo quando suas atitudes soem por demais bizarras, estranhas e inconvenientes. No fundo, Moacir é arte pura.
Budapeste (Idem, Brasil/Hungria/Portugal, 2009)
Dir: Walter Carvalho


Não parece ser fácil traduzir Chico Buarque ou pelo menos não sua produção literária, embora sua linguagem pouco convencional não assustou, por exemplo, Ruy Guerra (que fez o dificílimo
Estorvo), e nem Walter Carvalho nessa adaptação de
Budapeste, um dos melhores livros do cantor-compositor. Mas, apesar das boas intenções e do entendimento pleno do diretor quanto à narrativa, o filme ainda é um corpo estranho, uma espécie de trabalho arriscado numa adaptação cinematograficamente pouco segura que precisa investir em tiques de direção através de momentos rasteiros e “poéticos”.
Leonardo Medeiros vive um
ghost writer que vai se tornando obcecado pela capital da Hungria, descoberta acidentalmente durante uma escala forçada, ao mesmo tempo em que vê sua vida amorosa e profissional tomando o rumo da nulidade e insatisfação. Muito disso pelo próprio caráter de anonimato que sua profissão exige, o que lhe corrói enormemente. É um personagem em busca de libertação. E talvez toda essa angústia seja atropelada por um filme que não encontrou uma identidade, ou de um cineasta que não formou um estilo ainda. Não basta ser mecânico na adaptação. E eu realmente acho que Walter Carvalho tenha se esforçado muito para fazer um filme livre de amarras e mais independente, mas, infelizmente, o resultado soa frio e distante demais.
Vencer (Vincere, Itália/França, 2009)
Dir: Marco Bellocchio


A veia politizada do bom cinema italiano parece ter hoje na figura de Marco Bellocchio um de seus pontos de referência em meio à crise do cinema contemporâneo feito no país.
Vencer seria uma prova de resistência, muito embora o filme me parece bastante superestimado por aí. A narrativa se mostra muito pontual ao trazer a história de Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno), amante de Benito Mussolini (Filippo Timi), em plena ascensão pelo poder; ela será desprezada, junto com seu filho, pelo futuro
dulce fascista e a tentativa de reaproximação será seu intuito de vida.
Mesmo que o filme perca fôlego de tempos em tempos pela várias interrupções (como a passagem dos anos, a quebra da linearidade), o filme vale pela portentosidade de uma trilha sonora sempre evocativa (uma marca registrada do cineasta, vide o ótimo
Bom Dia, Noite), pelas imagens de arquivo que evocam uma Itália em ebulição e pelas atuações brilhantes de Timi e, em especial, de Mezzogiorno, com certeza uma das melhores do ano. Seus personagens são defendidos com vigor e determinação, embora a narrativa picotada da história faça o desenvolvimento dos personagens estancarem em vários momentos.
Zona Verde (Green Zone, EUA/França/Reino Unido/Espanha, 2009)
Dir: Paul Greengrass

Zona Verde é a junção das duas boas qualidades dos filmes de Paul Greengrass: a veia política e contestadora (como em seu Urso de Ouro com
Domingo Sangrento e o sensacional
Voo United 93) e a qualidade de suas fitas de ação (como nos dois últimos filmes da trilogia Bourne). Greengrass tem noção de como manter a tensão através da câmera na mão, da montagem frenética (mas nunca confusa), e de um roteiro que evolui na medida em que seu protagonista se dá conta da farsa na qual está metido. Todos esses recursos não estão ali somente para fazer explodir bombas e pôr carros em perseguição por puro prazer de ver tudo se destruir.
Matt Damon vive o subtenente do exército norte-americano Roy Miller que, logo após a Guerra do Iraque, comanda uma equipe em busca das tão famosas armas de destruição em massa que, como sabemos, não existiam. Toda essa dose de viés político confere seriedade ao longa, ao mesmo tempo que a adrenalina se mantém presente em vários momentos. Essa dose de realismo embutido na história é o grande diferencial dessa produção em meio a tanta bomba feita por aí (alô
Encontro Explosivo). E o despertar para a sujeira por trás de todo aquele conflito é mais um belo exemplar de tomada de consciência que o cinema tem nos oferecido.