TROPYKAOS, escrito assim mesmo em
caixa alta e com caracteres que remetem a uma proposta cinemanovista-tropicalista,
antes mesmo de indicar uma maior predileção por certa marginalidade do cinema
brasileiro, mais no espírito do que no resultado final em tela, parece guardar
um grito na garganta. Quem o solta é o diretor baiano Daniel Lisboa, nesse seu
primeiro longa-metragem, com direito a excessos, para o bem e para o mal.
É como
se o título traduzisse uma atitude de ímpeto diante de certos desconfortos do
mundo atual, muito pertinente também à força bruta que o filme quer transmitir,
embora nem sempre seja feliz nesse sentido. Mesmo assim, trata-se de um
trabalho de realização realmente pulsante, com muita vontade de se jogar em
questões muito particulares, ainda que para isso sacrifique certa cadência
narrativa em prol de uma atmosfera de inquietação constante.
Trata-se
de um conto com algo de fabular, ainda que calcado na realidade de uma Salvador
presente como urbes caótica, lugar capaz de provocar inquietações e anseios – o
Centro Histórico da cidade funcionando como espaço quase underground num
universo de paranoias que ali se instala. TROPYKAOS tenta dar
conta da dimensão mental e física de Guima (Gabriel Pardal), um homem
atormentado pelo sol causticante da soterópolis baiana. Fotossensibilidade e
calor intenso perseguem o personagem que, numa tentativa de fuga, quase se
enclausura em casa e nas próprias experiências com drogas.
Porém,
a vontade impetuosa de registrar e construir esse universo no qual Guima está
inserido, ou antes aprisionado, acaba limitando o filme às próprias cercanias
que cria para si mesmo. O início contém umas das melhores cenas do longa:
Guima, andando angustiado pela rua, não suporta o calor e enfia a cabeça na
caixa de isopor com gelo e água de um vendedor ambulante. É nesse início também
que, conversando com uma médica, ele a explica sua condição de impossibilidade
diante da superpotência solar. É certo que o filme entrega de bandeja, desde
já, uma constatação que esse personagem já tem sobre si mesmo.
É
então que TROPYKAOS passa a girar em torno de um mesmo eixo
que consiste em martelar a mesma incapacidade de Guima em conviver com o calor
insuportável e suas tentativas de se aliviar sempre que pode. O apreço especial
pelo sonhado ar condicionado é mais do que compreensível. É aqui também que o
filme soa muito confortável e descolado, e mesmo orgulhoso, em poder falar de
“raios ultraviolentos”, de “ar condicionado craniano” ou de Guima não estar
“geneticamente preparado para viver nessa cidade”. A frase nem é feliz pela
conotação de perigos racistas que possa carregar, mas tudo isso funciona mais
como efeito de discurso do que como problemática trabalhada no filme.
No
entanto, é também essa entrega de cabeça que acaba revelando momentos de pulsão
que fazem a história soltar aos olhos. A cena do bar, caricata na postura mesmo
de seus personagens, termina de forma reveladora – a poesia como outra
ferramenta, ou arma, de compreensão de um estado de espírito atribulado –,
assim como também termina de modo surpreendente certa cena de sexo. Situações
como a da explosão do caixa eletrônico e mesmo as cenas surreais na
igreja-seita, capitaneada por figuras tão esdrúxulas, parecem demonstrar ali a
sobreposição de uma letargia narrativa, apesar de carecerem de uma continuidade
que nem sempre tem a mesma força de tom. Ainda assim, é aí que o filme revela
suas maiores forças de imagem e atmosfera, de cinema.
Não é
com uma textura de imagem mais suja e uma verve mais porralouca que Lisboa se
aproxima de um teor marginal enquanto estética. Isso por conta mesmo da
presença de uma fotografia mais que solar de Pedro Urano, além do nível
caprichado de produção como um todo. Mas é na aproximação com certo espírito da
geração superoitista baiana, explicitamente referenciada nas presenças de
Edgard Navarro e Bertrand Duarte, que o filme alcança essas alusões e
tornam-nas como parte integrante dessa história de inquietações e intrigas
interiores – ainda que uma dimensão social não seja relegada a segundo plano,
pois ela também não ajuda a limitar e combater essas aflições.
TROPYKAOS se sai melhor como realização
quando se permite certas pirações que fazem total sentido dentro da proposta
simbólica do filme. É o mal dos trópicos,
que enlouquece, ilumina e aquece, ainda que mais pela força de seus atos
enquanto modo de coação do que como tentativa de mudar alguma coisa no mundo
concreto. Mais até para que se aceite consigo mesmo a essência do caos.
TROPYKAOS (Idem, Brasil, 2015)
Direção:
Daniel Lisboa
Roteiro:
Daniel Lisboa

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