segunda-feira, 17 de outubro de 2016

CachoeiraDoc – Parte VII


Jonas e o Circo sem Lona (Idem, Brasil, 2015)
Direção: Paula Gomes


Paula Gomes e equipe percorreram o Estado da Bahia pesquisando e mapeando os circos que se proliferam no interior. Num desses encontros, conheceram Jonas e sua paixão pelo espetáculo mambembe. Quando o garoto vai morar na zona metropolitana de Salvador, distancia-se do circo em que vivia e passa a construir, no quintal de casa, o seu próprio.

Jonas e o Circo sem Lona é o retrato dessa pulsão juvenil que faz parte mesmo do sangue do garoto – sua família tem longa tradição no circo. Ele se diverte ao dar forma a seu espetáculo, ao preparar os números e ensinar os amigos a fazê-los; gosta também de abrir as portas para as pessoas do bairro pobre onde mora e agradar o respeitável público. Mas Jonas está crescendo e outros desafios se impõem ao garoto: estudar, ser alguém na vida, almejar algo melhor. O filme encontra Jonas dividido entre o sonho e a vida concreta, dilema que lhe perturba, observado pelo olhar atento da câmera de Paula.

A diretora não se deixa deslumbrar pela simples vontade do garoto, ainda que reverencie o misto de inocência com seriedade com que ele leva adiante seu desejo. Filma não só as preparações no quintal, mas adentra a rotina da família, aproxima-se da mãe e avó do garoto, acompanha Jonas na escola. Aliás, a mãe é peça fundamental aqui porque é ela a responsável por acordar o jovem e chamá-lo para o mundo real. É ela quem mais lhe cobra uma postura realista e, consequentemente, adulta da vida.

Jonas e o Circo sem Lona sabe ser cru, árido, e mesmo duro, ao não se esquivar dos atritos que atravessam o caminho e as vontades de Jonas – há  uma cena particularmente forte e marcante que envolve o depoimento da professora do colégio, não só sobre os passos do garoto como sobre o próprio filme. Ao mesmo tempo, a obra consegue ser terna e sensível ao se interessar não pelo circo em si, mas pelo brilho no olhar de Jonas quando está imerso em seu mundo de fantasia e atrações.

Há uma proximidade afetuosa entre a diretora, Jonas e sua família que reflete a maneira como o próprio filme se posiciona diante das questões que se impõem ao garoto, fazendo de Paula também uma personagem ali. Mesmo que esteja sempre fora de quadro, ela fala e se dirige diretamente a todos em cena, sempre do modo mais carinhoso – a mãe de Jonas chama-a de “Paulinha”, por exemplo. Esse aspecto doce não deixa de esconder a posição da diretora em prol do menino – o que fica claro, por exemplo, na visita ao circo do tio de Jonas, lugar onde ele adoraria morar (e por ele se enamorar mais uma vez), algo como uma possível opção para ele –, embora Paula saiba entender e respeitar as forças contrárias que se processam no âmbito daquela família. Em alguns momentos, porém, as observações da diretora podem soar um tanto ensaiadas demais – assim como do filme não escapam momentos de maior encenação –, como se já previstas anteriormente, mas sempre abrigadas no campo do afeto.

É muito fácil falar de circo e apelar para um caminho romântico em que noções como os de “sonho”, “magia”, “imaginação” e “infância” surjam como protótipos intrínsecos a essa experiência e vivência, de quem faz o espetáculo e de quem o assiste, uma espécie de relação óbvia e incontornável. Pois Jonas e o Circo sem Lona beira essas questões, mas tem uma bússola moral que não desvirtua o filme em prol de um pieguismo simplista: o aspecto da vida real, esse que bate à porta e cobra do sujeito uma postura no mundo. O filme sabe que o verdadeiro espetáculo que não pode parar é o de crescer e amadurecer.

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