A Assassina (Nie Yinniang,
Taiwan/China/Hong Kong/França, 2015)
Dir:
Hou Hsiao-hsien
Não,
um filme de artes marciais dirigido por Hou Hsiao-hsien não pode ser um filme
comum de artes marciais. E não é. A
Assassina levou bastante tempo para vir a público – o último longa do
diretor, A Viagem do Balão Vermelho,
foi lançado em 2007. Foram precisos oito anos para Hou gestar seu novo filme, e
a espera faz valer muito a pena porque a assinatura do cineasta está lá,
marcada com precisão e maturidade.
Hou
transforma o chamado filme de “wuxia” em outro tipo de experiência, apesar das
marcas do gênero estarem presentes. O drama de época com direito a lutas
coreografadas, cenários deslumbrantes da vida imperial chinesa do século VII,
bem como a atenção aos detalhes da natureza e as belíssimas paisagens, são
todos elementos que o cineasta manipula com uma delicadeza ímpar. Não é o caso
do filme ser visto como um mero espetáculo visual – o que ele também é –
escamoteando o fio narrativo. Esse está lá, ainda que permeada por uma série de
situações ficcionais atravessados por fatos históricos que muitas vezes se
confundem no desenvolvimento da trama.
Mas
é a força da mise-en-scène de Hou que
faz de A Assassina uma experiência
tão forte como cinema. O fato do cineasta ter vencido o prêmio de direção no Festival
de Cannes ano passado dá uma belo indicativo do que o filme representa em
termos de exploração da imagem (ou seria melhor falar em encantamento da/pela
imagem?), também da carga dramática e emocional que está nos conflitos vividos pelos
personagens – imagens ressignificadas aqui por uma operação de encenação autoral já que fazem parte do cânone de um gênero muito específico.
Também
a carreira pregressa do diretor nos permite inferir que um cineasta dono de
filmes como Flores de Xangai e Três Tempos – para ficar em exemplos de
maior apuro visual – e tantas outras obras-primas, como O Mestre das Marionetes e A
Cidade das Tristezas, continua fiel a um estilo muito peculiar. Hou mantém
a predileção pela contemplação, pela sutileza dos movimentos de câmera, o
apreço pelos pequenos gestos, pela naturalidade da ação, pelo muito que a
expressão de seus atores podem nos falar. Tudo se mantém aqui, e o filme passa
como um sopro de sutileza.
Na
trama há uma assassina (Shu Qi) que falha em matar um líder local por este
estar acompanhado do filho pequeno. Sua mestra então a envia de volta para
casa, de onde saiu aos dez anos para começar seu treinamento, e lhe dá uma nova
missão: matar seu primo, a ele outrora prometido para se casar, agora um dos líderes da região de Weibo, principal
centro militar na dinastia Tang.
Em
certo sentido, Hou lida com uma história quase clichê: a assassina que precisa
decidir entre o coração e a razão, revirando o baú de memórias e lutando contra
seus próprios sentimentos para decidir se cumpre ou não sua cruel tarefa.
Apesar do tom solene com que os dramas pessoais surgem no filme, além das
questões políticas internas que envolvem os conflitos da corte e os jogos de poder,
o que parece mesmo interessar a Hou são as possibilidades de colocar tudo isso
em cena de modo fluido, inebriante.
É
como se o filme, calcado na concretude dos belos cenários e na riqueza cênica daquele ambiente
de encher os olhos – via trabalho fenomenal de fotografia, direção de arte e
figurinos – intentasse mais, na verdade, em captar algo não palpável, algo que
paira na atmosfera, no ar de conspiração e desejos retraídos que a história
vai revelando. Talvez esteja na predileção do diretor pela persistência do
plano longo a capacidade em registrar esse algo intangível.
As
cenas de luta, por exemplo, não surgem como grandes embates orquestrados – os amantes
desse tipo de filme podem ficar frustrados. Hou muitas vezes mostra as lutas já
começadas ou em pequenos flashes, nada muito espetaculoso, apesar de serem
fundamentais na trama – a protagonista é tida como exímia lutadora e
espadachim. Existe uma leveza incontornável nessas cenas, apesar dos movimentos
dos que se confrontam ali serem sempre violentos, mortíferos. A Assassina é a concretização em cena da delicadeza do gesto mortal. Hou Hsiao-hsien é seu mestre maior.
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