segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Tensão no automático

Hacker (Blackhat, EUA, 2015)
Dir: Michael Mann


Meio que sem essa intenção, Hacker acabou se tornando uma espécie de filme underground na carreira de Michael Mann, especialmente no Brasil depois que desistiram de lança-lo nos cinemas, saindo aqui diretamente em homevideo. Para um cineasta com marca própria, que flerta tão bem com o cinema de ação e com a indústria hollywoodiana, Mann, nesse novo filme, parece lutar o tempo todo contra o piloto automático. Ainda que crie ótimos momentos, não parece estar em sua melhor forma. 

Fica mesmo evidente que há algo ali que não parece à altura do cineasta de Miami Vice, Colateral e, para citar um clássico do filme de ação, Fogo Contra Fogo. Há fragilidades tanto narrativas, algumas cenas de ação filmadas de forma mesmo desconjuntada, quanto na história, repleta de explicações técnicas sobre o universo dos hackers e da cibernética.

Adentramos esse mundo da violação na rede digital quando um hacker americano misterioso invade o sistema e causa um acidente gravíssimo numa usina nuclear chinesa. O governo dos EUA investiga o caso e negocia ajuda com o hacker presidiário Nick Hathaway (Chris Hemsworth) em troca da dissolução de sua pena. Ele vai contar com o apoio do velho amigo e agora funcionário do governo chinês, especialista em defesa cibernética, Dawai Chen (Leehom Wang) e da irmã dele, a bela Lin Chen (Wei Tang).

O clima de tensão no cinema de Mann passa não só pela construção de momentos de apreensão ou de risco de vida, mas também pelo tratamento sensível que os personagens recebem diante dos perigosos que lhe são impostos. É como se brotasse de certa selvageria uma perspectiva humanista que se importa em dimensionar aquelas pessoas. Está nos olhares e nos movimentos dos atores, captados com a câmera vacilante na mão, sendo Mann um dos melhores diretores hoje a manejar o aparato digital com maestria.

Essas duas perspectivas estão presentes em Hacker, apesar de muito aquém da capacidade de Mann em potencializá-las e engrandecer o filme. Não vai demorar muito para surgir uma atração forte entre Nick e Lin, e a cena da troca de olhares entre eles antes do primeiro e efusivo beijo é um exemplo isolado dessa atenção dada aos pequenos, mas significativos, gestos que a câmera de Mann sabe captar com tanta autenticidade e que se tornam deflagradores de certas explosões – emocionais ou de adrenalina.



Também está no filme o excesso de cores e luzes que rodeia os personagens nas suas investidas, fugas e confrontos, mas mais como apreensão de uma realidade opaca, vide os cenários das ruas de Hong Kong e Jacarta, do que a perseguição de uma exuberância estética – exuberância em meio ao caos, diga-se. A sequência de perseguição final, por exemplo, tenta a todo instante rivalizar (ou seria harmonizar?) esses elementos e é uma pena que não vemos mais disso no decorrer do filme. 

Hacker, portanto, não foge às questões caras ao cinema de Michael Mann. Em essência, faz jus a uma carreira coesa e repleta de triunfos, mas que aporta aqui com pouco brilho. Poderia ser bem mais desastroso do que já foi espalhado por aí, mas ainda conta com a vontade de um diretor de percorrer os trilhos que lhe dão segurança para seguir, longe de descarrilhar por completo, mas turbulento pelas passagens que faz.

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