quarta-feira, 22 de abril de 2015

Além das grades de casa

Casa Grande (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Fellipe Barbosa


Não é tarefa das mais fáceis fazer um filme sobre um rito de passagem adolescente e com forte teor de crítica social, isso porque não é terreno dos mais originais e é bem fácil escorregar no panfleto querendo soar politizado. Pois Casa Grande é um ótimo exemplar desse tipo de construção dramática que levanta uma série de questões de classe e socioeconômicas no contexto brasileiro atual, além de injetar humor ácido e apresentar protagonista carismático.

O resultado é um dos melhores longas-metragens dessa safra recente do cinema brasileiro, filme consciente de seu lugar de fala: o diretor Fellipe Barbosa vem de classe alta e expurga aqui, via protagonista de tons autobiográficos, as neuroses de pertencer a um grupo socioeconômico privilegiado no atual sistema brasileiro de disparidades.

Há o peso de uma história nacional marcada por desigualdades sociais e forte concentração de renda. Com olhar voltado para uma família ricaça do Rio de Janeiro, o filme acompanha Jean (Thales Cavalcanti), batendo de frente com o pai (Marcello Novaes) que esconde o segredo da bancarrota das finanças dos negócios que sustenta a bonança da família.

Garoto superprotegido, Jean luta para respirar fora das amarras e paranoias de uma cultura elitista. A identificação por parte do público para com esse garoto em meio ao fogo cerrado é imediata. É a fase de formação do homem pelos olhos de um jovem posto em crise por uma realidade histórica atual. Certamente ele não está plenamente consciente deste posto, mas tem seus caminhos cruzados pelas incertezas e questionamentos da adolescência, frutos desse momento de virada (e reviravolta) em sua vida.

Primo rico de O Som ao Redor, Casa Grande não tem medo de discutir questões sociais e raciais que são, no fundo, a base dessa história. Por meio da trajetória de Jean, sua relação de proximidade com a empregada doméstica e o motorista da família – laços muito calorosos que se firmam entre eles –, também sua paixonite por uma menina de pele morena e que estuda em escola pública, o roteiro ganha nuances várias, sem fugir de temas espinhosos, mas também longe de panfletarismos.


A discussão em torno das cotas, por exemplo, ganha embates e contrapontos interessantes entre polos díspares. O filme se empenha em discutir esse assunto porque é ordem do dia na trajetória do personagem. Se o filme pernambucano talvez seja mais sutil ao tocar e revelar certas questões sociais, Casa Grande prefere uma abordagem realista mais direta, mas não por isso mais escancarada.

Prefere o plano longo, com câmera movendo-se com parcimônia, e abre espaço para que suas muitas questões e nuances estejam em evidência na cena mais do que a encenação em si. O texto do filme é lapidado por um naturalismo perspicaz, incluso aí um bom-humor que investe em tiradinhas engraçadas, sem nunca escorregar para o riso rasgado. Barbosa também valoriza demais o trabalho dos atores, todos muito bons, desde o novato Thales Cavalcanti, com seu carisma imediato, até um veterano Marcello Novaes, num tipo de produto diferente do que costuma fazer.

Casa Grande é um grande filme por tocar em questões pertinentes, sem se esquecer do fator humano que existe ali, além de zelar por uma linha narrativa a mais clássica possível – ainda que quebre com certas convenções no final. É um trabalho notável para um jovem cineasta que chega a seu primeiro longa de ficção (depois de apresentar uma personagem incrível no documentário Laura). Soa também muito verdadeiro e carinhoso com seus personagens, mesmo com aqueles que ele alfineta, e por isso o resultado final é tão proveitoso.

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