quinta-feira, 6 de junho de 2013

Jogo de cena

Anna Karenina (Idem, Reino Unido, 2012)
Dir: Joe Wright


Num filme em que cinema e teatro se cruzam como uma narrativa assumida enquanto linguagem pretendida, é bastante pertinente que se comece com uma cortina se abrindo para o púbico. É o que acontece nesse Anna Karenina, mas com uma diferença: essa cortina é um desenho numa placa que sobe e revela ao público o palco do espetáculo. Eis aí um belo artifício de introdução a esse peculiar jogo de cena a ser utilizado durante todo o filme.

E que belos riscos esse filme apresenta. Joe Wright, do ótimo Orgulho e Preconceito (para ficar num bom exemplo de romance de costumes antigos), assume muito bem um misto de encenação teatral e cinematográfica, para além da beleza que uma história de época carrega no todo. Enquanto aquele era muito mais clássico na sua roupagem melodramática, a Anna Karenina de Leon Tolstói ganha aqui a mão e visão inquieta de Wright, que se arvora em abusar dos recursos cenográficos em evidência, alcançando um tom teatral quase farsesco, para levar adiante sua história.

Mas mais do que um capricho de querer fazer diferente, ainda mais por se tratar da adaptação de um clássico da literatura universal que já foi levado tantas vezes para o cinema, o diretor consegue fazer comentários muito interessantes sobre os personagens, seus dramas e as situações que eles enfrentam através dessas suas brincadeiras de cenografia.

Porque a história da mulher casada e aristocrática (Keira Knightley) que se apaixona perdidamente por um jovem (Aaron Taylor-Johnson) já comprometido com outra moça não é das mais originais. É aí que entra a desfaçatez da narrativa, tendo o palco como espaço de transmutação de ambientes, mais do que o plano que corta e nos coloca em outro espaço. A protagonista se movimenta e vê um cômodo transformar-se em outro, encurtando as distâncias. Com um simples rolar de trilhos, o ambiente das ruas de Moscou dá lugar a uma região campestre gélida no interior do país.

Daí que o filme nos presenteia com um punhado de ótimas cenas, as melhores delas quando abandona de vez a naturalidade da encenação e se abraça o artifício mais visível. Numa delas, depois de brigar com o marido dentro de uma carruagem, Karenina sai para a rua, encontra um labirinto de sebes, vai sacando as roupas que a sufocam e, surpreendentemente, encontra o jovem amado e o abraça. É desse atrevimento que o filme se alimenta e ultrapassa a simples história do amor verdadeiro que luta contra as convenções sociais para se concretizar. 

Mas ainda assim, enquanto tece suas brincadeiras narrativas, o filme dá a dimensão exata dos enfrentamentos contra os quais essa mulher luta para ficar junto de seu amado. Flertando com o melodrama mais rasgado e bem conduzido, Anna Karenina é um esforço de realização e encenação bonito de se ver, transformando a história batida de amor em algo bonito de se sentir.

4 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

muito interessante.

O Falcão Maltês

Matheus Pannebecker disse...

Acho que "Anna Karenina" tem um trabalho incrível de cenografia. Joe Wright se mostra um diretor cada vez melhor. Meu único problema com esse filme é o segundo ato, quando a traição da protagonista finalmente é colocada em prática: a história vira uma novela enjoada, evidenciando também a falta de força dos atores para os papeis tão intensos.

Alex Gonçalves disse...

Apesar do belo jogo cenográfico, muito bem descrito no texto, esse "Anna Karenina" é um saco. Ao final do filme, não houve nada na história que me arrebatasse. Aliás, acredito que a adaptação corre o risco de ser confundido com qualquer outro romance de época. Também acredito que a escalação do elenco central foi um erro, uma vez que Keira Knightley nada mais de novo tem para oferecer em papéis desse tipo e Aaron Taylor-Johnson é fraquíssimo.

Rafael Carvalho disse...

Recomendo muito, Antonio. Ainda mais que tanta gente tenha batido no filme somente por esses desprendimentos narrativos.

Matheus, não vejo esse tom de novela enjoada que você aponta, mas concordo que os atores poderiam se dar um pouco mais. Meu medo é justamente cair no excesso num filme que já se mostra tão over e cheio de efeitos de cenografia.

Como assim confundido com qualquer outro romance de época, Alex? Qual filme de época tem a coragem de trabalhar a cenografia assim? Acho esse um fator que justamente o diferencia de tantos outros produtos de época que se tem por aí, gostando ou não dele.