quarta-feira, 13 de junho de 2012

Batalhas de vida

A Guerra Está Declarada (La Guerre est Déclarée, França, 2011)
Dir: Valérie Donzelli

Se Christophe Honoré parecia ser o maior e mais festejado herdeiro hoje da Nouvelle Vague (Philippe Garrel não conta porque já filmava desde aquela época), ele ganhou uma bela companhia com Valérie Donzelli. Ou pelo menos, esse filme da diretora está tão embevecido pelo espírito esteticamente libertário do movimento francês que chega ser impossível não enxergar Godard ali nas suas imagens que surpreendem a cada novo corte.

Mas talvez diferentemente dos filmes de Honoré, em que paira sobre suas narrativas uma atmosfera que remete romanticamente a um tempo pretérito (especialmente nos últimos Amantes Constantes e A Fronteira da Alvorada), Donzelli, ao contrário, parece fazer um filme bastante moderno, pop, jovem. Mas também muito maduro, apesar do inusitado da situação.

Esse estranhamento reside no fato de ser um filme atual que se aproveita bastante do legado da Nouvelle Vague dentro de uma temática estranha ao movimento: o drama familiar envolvendo doença de um ente querido. O bebê do casal Juliette e Roméo (os atores e roteiristas Valérie Donzelli e Jérémie Elkaïm, ela também a diretora) começa a apresentar problemas de desenvolvimento que aponta para um tumorno cérebro. Está dada a largada para a guerra de uma vida

O grande destaque aqui é como esse tom é reinventado pela narrativa frenética e nunca se torna pesaroso. No fundo, existe uma sensação de enjoy it, um casal jovem enfrentando situação complexa, mas mantendo ainda assim uma certa felicidade de viver, com os prós e contras do casamento e da criação de um filho, para além da própria doença. Acaba sendo um contraponto interessantíssimo ao estado de intranquilidade do momento, tour de força que põe à prova não só a união do casal, mas da família de ambos, todos juntos e prontos a ajudar.

O filme faz um belo eco com o também recente e ótimo 50% em que jovem lida com um câncer num filme bastante espirituoso, apesar de tudo. Mas o filme francês possui uma vitalidade narrativa de fazer inveja, cada próxima cena, o próximo corte, pode ser uma surpresa, como é o caso do momento que mostra como o casal se conheceu até gerar um filho, ou quando Juliette corre no hospital desesperada, ou quando ela conta a todos sobre o tumor, ou a expectativa para o resultado do primeiro procedimento médico. Enfim, o filme é recheado de ótimos momentos, com um uso pontual de temas musicais clássicos que pegam desprevenido quem imaginava um filme mais denso e obscuro (pelo contrário, é um filme bem colorido plasticamente).

Mas ao mesmo tempo em que pontuam no filme esses arroubos de animação, existe todo um cuidado em nunca esconder os risos e as más notícias que vão surgindo, indicativo de que a situação não está sendo minimizada pelo filme. Na forma como esse jovem casal lida com assuntos tão complexos, A Guerra Está Declarada é também um rito de maturidade, preparação para as batalhas que ainda estão por vir, sem sobreaviso.

6 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Ainda nada conheço dela, mas acompanho a trajetória de Honorè.

O Falcão Maltês

Kamila disse...

Ah, Rafael. Eu adorei esse texto. Não conhecia esse filme, mas me interessou muito a forma como ele parece tratar uma narrativa que é bastante delicada. Vou tentar assistir.

Elizio disse...

Bom texto, muito bem escrito e analisado!
A trilha sonora e o ritmo do filme tem o melhor dele. E como disse, é sempre uma surpresa a cada cena! Apesar de ser um tema já bem debatido em filmes, ele consegue mostrar de uma forma um tanto diferente a já clássica história da luta contra o cancer!
Até os papéis médicos muito bem desenvolvidos!
Òtimo filme!

Rafael Carvalho disse...

Antonio, dela só vi esse primeiro filme, e já é suficiente pra me deixar curioso para os próximos trabalhos da moça. Honoré também é sempre interessante de acompanhar.

Kamila, bom que gostou do texto, deve gostar ainda mais do filme quando vir. Uma narrativa surpreendente mesmo.

Elizio, sabia que você ia prestar devida atenção aos personagens dos médicos. Apesar do tom livre do filme, existe uma seriedade muito grande na forma como retrata as questões da doença e de como se lida com isso. Um filme maduro, no fim das contas.

cartazdacultura disse...

Chegou esta semana nas locadoras, aluguei hoje. Filme promete ser bom. Parabéns pelo blog, Rafael.

Rafael Carvalho disse...

Tiago, pra mim esse filmetá no top 5 doa no até então. Gosto demais do tom despretensioso para um filme de tema tão duro. Novelle Vague moderna.