Dir: Lars Von Trier

Quando o casal formado por Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe perde o filhinho único num acidente doméstico, ela (os personagens não são chamados pelos nomes) entra em estado de depressão e culpa intensa pela morte da criança. Os dois então se refugiam numa cabana no meio da floresta para tentarem se recuperar do trauma.
A sinopse acima possui uma força dramática incrível, mas a execução encaminha a história para um jogo de forças entre os dois personagens que primeiro se torna repetitivo, para depois se revelar confuso e sem nexo aparente. Um filme descontrolado que tenta vencer pelo choque das cenas “fortes”, tão comentadas por onde foi exibido.
É bastante interessante que o personagem do marido seja um psicanalista e, no estado de descontrole em que sua mulher se encontra, é evidente que ele tente usar de seu ofício para tratá-la. Mas as sessões de psicanálise familiar caem num discurso vazio e cheio de frases de efeito (com intuito de soarem sérias e vibrantes) que parece consulta barata de botequim. Ou seja, uma boa ideia que o roteiro desperdiça em prol da estranheza que quer vender.
Outro desperdício é uma noção bastante interessante de culpa feminina alimentada pela mãe e que perpassa pela questão sexual. Ela passa a se martirizar não só porque o filho morreu enquanto o casal transava, mas também porque o sexo é o primeiro estágio para se gerar um filho. Portanto, a personagem passa a renegar e lutar contra seu instinto com todas as suas forças, sendo o desejo sexual algo inerente ao ser humano.
Daí, é bastante plausível que ela, num momento de loucura total, mutile o próprio clitóris. Nessa batalha interior, é evidente que a personagem sai perdendo e se descontrola totalmente, deficiência que o filme também compartilha porque não consegue sustentar todas essas nuances e nem conferir consistência a tais complexidades.
A única que parece entender isso muito bem é Charlotte Gainsbourg. Ela se apega tanto e com tanta força a sua personagem, lhe confere tamanha dignidade, que é de longe a melhor coisa do filme inteiro. A atriz se esforça bem para sustentar as loucuras cometidas por sua personagem e é bastante crível em seu processo de degradação mental. O prêmio de Melhor Atriz em Cannes não foi um desperdício.
Porém, no final das contas, as boas propostas se misturam a um monte de baboseira proferida pelo filme e acaba se perdendo no meio de cenas ridículas (como a da raposa que fala – isso mesmo, abre a boca e fala - para o marido, em voz grave e ameaçadora: “O caos reina”). Por essas e outras, Anticristo fica só na promessa de um grande retorno de Lars Von Trier.